sexta-feira, agosto 03, 2018

Que viva Coltrane!

Se for necessário citar um álbum, um só, da discografia de John Coltrane (1926-1967) ao longo da década de 60, a escolha tem qualquer coisa de compulsivo: A Love Supreme (1965) é, de uma só vez, a cristalização perfeita do bop ou hard bop e uma afirmação radical de uma lógica de experimentação e improviso inseparável de uma inigualável pureza poética (enfim, não simplifiquemos: Kind of Blue, de Miles Davis, é de 1959...). Mas não são os tops ou as classificações o mais importante. O que, realmente, importa não esquecer é que a década de 60 foi, para Coltrane, então ligado à etiqueta Impulse!, um período de fascinante criação e reinvenção, desafiando sempre os seus próprios limites.
Pois bem, este Verão de 2018 essa história adquiriu um novo e esplendoroso capítulo com a edição de um conjunto de inéditos cujo reunião em álbum ficou, na altura, adiada [ler, a esse propósito, a contextualização de Giovanni Russonello no New York Times]: Both Directions at Once: The Lost Album é o fascinante registo de uma única sessão, no dia 6 de Março de 1963, com Coltrane acompanhado pelos fiéis McCoy Tyner (piano), Jimmy Garrison (contrabaixo) e Elvin Jones (bateria), os mesmos de A Love Supreme — em boa verdade, este é o quarteto que encontramos noutros registos fundamentais, da mesma época, como Ballads (1963), John Coltrane and Johnny Hartman (1963), Live at Birdland (1964) e Crescent (1964).
Como refere Hank Shteamer, encontramos aqui matéria preciosa para compreendermos como Coltrane pensava a sua própria evolução [Rolling Stone]. Enfim, dir-se-ia que, mesmo através da sua incompletude, Both Directions at Once é um testemunho exemplar dessa capacidade de ir por um caminho e... experimentar outro, até porque podemos escutar várias, e bem diferentes, takes de alguns dos temas — eis duas faixas do álbum: Untitled Original 11383 (Take 1) e Slow Blues; em baixo, recordamos Psalm, de A Love Supreme.