segunda-feira, agosto 20, 2018

Keanu Reeves em piloto automático

Keanu Reeves a imitar uma má cópia de Keanu Reeves... Enfim, Sibéria é um daqueles filmes apostado em fazer-nos crer que não vale a pena ir ao cinema durante o Verão (o que, obviamente, não é verdade: por exemplo, vejam-se e revejam-se os clássicos franceses em reposição) — este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 Agosto).

A temporada cinematográfica de Verão pode ser muito castigadora para os actores mais ou menos populares. Dir-se-ia que a (falta de) lógica do mercado obriga cada um deles a confirmar o seu estatuto e a sua imagem de marca. E quando são associados a “filmes de acção”, importa repetir histórias, cenas e fórmulas...
Convenhamos que há quem consiga enfrentar tal desafio com um misto de classe e elegância. Observe-se o caso de Tom Cruise, com o seu Missão Impossível: Fallout: um genuíno espectáculo, celebrando os poderes clássicos das imagens (e dos sons), e também um dos melhores desta série, a par do primeiro Missão Impossível, realizado por Brian De Palma em 1996.
Mas quando deparamos com Keanu Reeves e a sua mais recente proeza, de título Sibéria, o desastre tem qualquer coisa de patético. Desde logo, pela retórica do seu argumento (?): a história do negociante de diamantes (Reeves) que viaja até à Sibéria para tentar encontrar o sócio desaparecido, aí encontrando um grande amor, move-se com a agilidade de um elefante numa loja de cristais... Depois, a realização de Matthew Ross é um trabalho de tal modo desinspirado que faz parecer a mais banal série televisiva policial uma proeza de vulto.
Enfim, não se esperava que Reeves se mostrasse um descendente das subtilezas do Actors Studio. Afinal de contas, o seu brilhante “Neo”, na trilogia Matrix, enraíza-se na hábil criação de uma persona algures entre a frieza de uma figura totémica e a sedução de uma personagem quase de desenho animado. Aqui, limita-se a assinar o ponto com a indiferença criativa de quem, em boa verdade, nem sequer tem uma personagem minimamente consistente para defender — Keanu Reeves em piloto automático é, afinal, o pior que Keanu Reeves tem para dar.