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Para onde vai a televisão caseira? Será que vai substituir por completo... as salas? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Abril), com o título 'Brevemente num outro ecrã...'.
Lembram-se de Cinema Paraíso (1988), o filme de Giuseppe Tornatore centrado num cineasta que evoca a descoberta do cinema na aldeia da sua infância? Recentemente reposto e lançado em DVD, nele encontramos a emblemática personagem do projeccionista, interpretado por Philippe Noiret: mais do que um profissional especializado, ele impõe-se como garante da verdade da película projectada no ecrã — um técnico e um mágico.
Nos últimos anos, com a generalização das cópias digitais, já não há película; as projecções em película tornaram-se mesmo acontecimentos especiais, como tal anunciados e celebrados em cinematecas e festivais de cinema. Pois bem, podemos estar a entrar numa nova conjuntura, porventura revolucionária, por certo ainda mais dramática: a própria personagem clássica do projeccionista será dispensável.
É isso que podemos deduzir de uma notícia chegada nas vésperas da CinemaCon (feira anual norte-americana, promovida pelos proprietários das salas): os Pacific Theatres Winnetka, de Chetsworth, Los Angeles, entraram na história da exibição cinematográfica, estreando nos EUA o primeiro ecrã de tecnologia LED.
Não tem grandes dimensões (10,5 x 5,5 metros), mas o tamanho não é, pelo menos para já, o factor determinante. Apetrechado para imagens de resolução 2K ou 4K, e também para três dimensões, o novo ecrã instala na sala escura uma lógica de projecção que, em última instância, provém da tecnologia televisiva. Tem chancela da Samsung, marca responsável pela instalação pioneira de cinco ecrãs LED em salas de todo o mundo: Coreia do Sul (dois), Zurique, Bangkok e Shangai (a Sony tem também projectos em marcha neste domínio).
Há quem se mostre indignado com a manipulação das imagens em pós-produção: Janusz Kaminski, colaborador habitual de Steven Spielberg, foi um dos directores de fotografia a manifestar preocupação com a perda de controle sobre as imagens, cada vez mais manipuladas pelos técnicos que criam as novas cópias. Além disso, o LED não permite que as fontes sonoras sejam colocadas, como é norma, atrás do ecrã.
O que está em causa excede, e muito, a avaliação das potencialidades dos formatos digitais (sendo também impossível negar, na última década, o seu vertiginoso progresso). É a própria identidade cultural e comercial do cinema que se encontra numa perturbante encruzilhada. Questão perversa: os cinemas passarão a ser concebidos, geridos e frequentados como meras “salas de estar” colectivas, com um ecrã um pouco maior do que aquele que temos lá em casa?