Os ecrãs do futuro vão ser cada vez maiores. Aliás, esse futuro já é presente — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 Fevereiro), com o título 'Um mundo feito de ecrãs'.
Lembram-se de 2001: Odisseia no Espaço? Acredito que sim. O filme de Stanley Kubrick completa este ano meio século de existência, sendo um daqueles objectos há muito inscrito, não apenas na arqueologia cinéfila, mas também no imaginário colectivo — atrevo-me mesmo a supor que os leitores que nunca tiveram oportunidade de ver o filme sabem do que estamos a falar.
Há dias, lembrei-me desta imagem do astronauta Dave Bowman (Keir Dullea) no seu posto de comando, enfrentando os problemas trágicos, afinal muito humanos, colocados pelo hiper-inteligente computador que responde pelo nome Hal 9000... e não quero retirar o prazer da descoberta a quem não conhece o filme. Dir-se-ia que Bowman continua a ser uma personagem dos nossos dias, de tal modo está assombrado pelos muitos ecrãs que o rodeiam. Pode dizer-se, aliás, que a nave Discovery One, a caminho de Júpiter, existe como uma imensa galeria de ecrãs, aplicados desde a gestão técnica até à escolha das refeições.
A imagem surgiu por associação a notícias recentes, ligadas às novidades reveladas, em Janeiro, no Consumer Electronics Show, um misto de exposição e feira, em Las Vegas, dedicado aos objectos electrónicos do nosso dia a dia. Das suas novidades, parece poder extrair-se uma conclusão muito básica: os ecrãs caseiros de televisão, agora contaminados pelas funções tradicionais de um computador, vão ser cada vez maiores.
Surpresa? Nenhuma, como é óbvio — o aumento das medidas dos ecrãs há muito que faz parte da oferta regular do mercado. Seja como for, não deixa de ser interessante citar o estado dessa oferta. Por exemplo, os ecrãs com mais de 1,4 metros de diagonal passaram a constituir um terço das vendas da Samsung contra apenas 20% há um ano, enquanto a marca chinesa Hisense apresentou em Las Vegas um ecrã de 3,8 metros de diagonal (definido como um produto híbrido entre televisor e retroprojector).
Eis um curioso problema arquitectónico e, claro, financeiro: a concepção do espaço caseiro vai estar cada vez mais ligada aos ecrãs que lá queremos ou podemos colocar. Em todo o caso, a conjuntura leva-nos também a reconhecer que assim se vai agravar uma pergunta cândida que, há várias décadas, assombra a indústria cinematográfica: com a crescente sofisticação das condições privadas de acesso às imagens (e sons), como mobilizar os cidadãos para as salas de cinema? Em jogo está algo mais do que a evolução tecnológica — trata-se de saber se o cinema pode acabar como experiência colectiva e, nessa medida, social.