A publicação dos "Pentagon Papers", em 1971, é pretexto para um notável filme sobre o trabalho jornalístico, com assinatura de Steven Spielberg — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Janeiro), com o título 'Spielberg celebra o jornalismo e a exigência da verdade'.
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A revelação dos “Pentagon Papers” abalou profundamente a vida americana, reforçando as argumentações políticas e as manifestações populares contra a continuação da guerra (que terminaria com a queda de Saigão, em Abril de 1975, e o triunfo do Vietname do Norte, anexando o Vietname do Sul).
Na origem do documento está a criação de uma equipa de investigadores da história do Vietname no século XX, analisando, em particular, a presença dos EUA naquela região asiática. Reunidos por Robert McNamara, secretário da Defesa dos presidentes John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson (de 1961 a 1968), tais investigadores produziram um documento de sete mil páginas cujo impacto se pode condensar em dois vectores fundamentais: primeiro, a inventariação das muitas formas de envolvimento dos EUA na Indochina desde as décadas de 1940/50, no tempo do presidente Harry S. Truman; depois, o reconhecimento da impossibilidade de uma vitória militar no conflito em que os EUA se tinham empenhado de modo especialmente intenso desde o começo dos anos 60.
O filme de Spielberg aborda esse processo a partir de um momento de peculiar dramatismo, pouco depois de uma primeira divulgação de alguns elementos dos “Pentagon Papers” nas páginas de The New York Times, a 13 de Junho de 1971. E o mínimo que se pode dizer da sua invulgar energia emocional é que, apesar de sabermos ou podermos saber o que aconteceu, nada disso retira a The Post um “suspense” tão elaborado quanto contagiante.
Mais do que um confronto de discursos políticos, Spielberg narra uma saga de pessoas envolvidas num complexo labirinto profissional e moral. Quando The Washington Post tem acesso aos “Pentagon Papers”, surge também uma questão de concorrência jornalística: era a oportunidade de um jornal ainda de escassa projecção nacional desafiar o mítico The New York Times. Mas o problema de fundo afigurava-se bem diferente: tendo em conta que a administração Nixon accionara os mecanismos legais para impedir qualquer nova publicação de extractos do documento, The Washington Post estava forçado a ponderar a equação resultante das tensões entre segredos de Estado e interesse público. Como diz o editor Ben Bradlee a Katharine Graham, proprietária do jornal, podiam ser todos presos.