A publicação dos "Pentagon Papers", em 1971, é pretexto para um notável filme sobre o trabalho jornalístico, com assinatura de Steven Spielberg — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Janeiro), com o título 'Spielberg celebra o jornalismo e a exigência da verdade'.
Um dos cartazes americanos do novo filme de Steven Spielberg, The Post, utiliza uma velha frase coloquial: “truth be told”. À letra: “verdade seja dita”. É uma expressão que, regra geral, serve para reforçar o carácter verdadeiro de algo que está mais ou menos implícito no que já foi afirmado. Por exemplo, se dizemos “hoje está muito frio”, podemos acrescentar “verdade seja dita, os dias têm estado muito frios”.
Trata-se, como é óbvio, de contar uma história que tem a ver com a vontade e, mais do que isso, o empenho em dizer a verdade sobre determinados factos. The Post narra a odisseia dos jornalistas de The Washington Post que, na sua edição de 18 de Junho de 1971, começaram a divulgar os chamados “Pentagon Papers”. Através das informações contidas nesse documento secreto, tornou-se claro para o público americano que a administração do presidente Richard Nixon tinha a clara noção de que, apesar do reforço do investimento militar no Vietname (com crescentes perdas de vidas humanas), não era possível ganhar a guerra.
Acontece que, no actual contexto cinematográfico e político, “truth be told” adquire outras ressonâncias, veementes e incontornáveis. Isto porque The Post surge numa América marcada pelo conflito de Donald Trump com muitos sectores da actividade jornalística. O presidente vai acusando os mais diversos órgãos de informação de produzirem notícias falsas (“fake news”) sobre a sua administração, ao mesmo tempo que diversos jornais e televisões, de The New York Times à CNN, passando por The Washington Post, vão desenvolvendo um trabalho pedagógico de desmontagem das mentiras e manipulações de factos por parte de Trump.
Não se trata, portanto, de aplicar o efeito mais ou menos retórico condensado na expressão “verdade seja dita”. O que está em jogo é a importância e, mais do que isso, a urgência de dizer a verdade. Nesta perspectiva, The Post é um filme que consegue a proeza de ser um esclarecedor fresco histórico sobre a sociedade americana de há quase meio século, ao mesmo tempo que possui o fulgor de um gesto simbólico capaz de ecoar no presente em que o descobrimos.