De vez em quando, tentando ver para além do barulho das luzes mediáticas, vale a pena perguntar o mais básico. Por exemplo: para que servem os Oscars? Não é, entenda-se, a pergunta do jornalista que se considera ofendido por não encontrar os "seus" filmes entre os nomeados... Nem se trata de pretender conhecer os labirínticos bastidores de Hollywood para "explicar" o que quer que seja. Acontece que os Oscars são, basicamente, um ritual cinéfilo, quer dizer, uma celebração do amor pelo cinema — e isso, com filmes melhores ou piores, continua a ser um factor de cumplicidade e união.
Mas importa questionar para que servem, ou podem servir, os Oscars num contexto em que a sua especificidade surge ameaçada por um perverso efeito de repetição. E a palavra repetição não tem nada de retórico. Não é verdade que, depois dos prémios já atribuídos pelas associações de críticos, dos Globos de Ouro e até das nomeações para os BAFTA (a entregar no dia 18 de Fevereiro), ficamos com a sensação que tudo se resume a um lote de uma quinzena de títulos que todos repetem e, de alguma maneira, consagram?
A Academia de Hollywood não pode ser unilateralmente responsabilizada por tal estado das coisas. As forças dominantes da grande indústria, privilegiando mecanismos impostos pela acelerada rentabilização dos "blockbusters”, formataram o mercado (americano e global) de modo a que esmagadora maioria dos candidatos aos Oscars saia apenas dos títulos estreados no derradeiro trimestre de cada ano, como se não valesse a pena atentar no cinema que se viu no resto do ano (este ano, Dunkirk surge como uma excepção que confirma a regra). Fica um exemplo sintomático: o admirável Detroit, filme marcante na abordagem de temas afro-americanos, desapareceu... Realizado por uma mulher, Kathryn Bigelow, também não consta na agenda de qualquer militância feminista. O que pode suscitar outro tipo de perguntas, neste caso sobre o entendimento político do mundo do cinema.