RAYMOND DEPARDON Líbano — Beirute, guerra civil, um falangista cristão 1978 |
A exibição do filme 12 Jours, de Raymond Depardon, fica como um dos momentos altos da 18ª edição da Festa do Cinema Francês — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 Outubro), com o título 'Ser ou não ser humano'.
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As fotografias de Raymond Depardon na guerra civil do Líbano, em 1978, podem servir de padrão — estético e moral — da sua extraordinária visão. Por um lado, reconhecemos nelas um incontornável testemunho jornalístico; por outro lado, nunca, em nenhuma imagem, sentimos que a complexidade do real se fixa num qualquer “simbolismo” capaz de garantir uma qualquer manchete de vida efémera. Há, talvez, outra maneira de dizer isso: Depardon é um dos grandes humanistas das imagens contemporâneas, e tanto mais quanto o seu trabalho não depende dos “choques” visuais que alguma televisão todos os dias favorece.
Apresentado fora de competição, em Maio, no Festival de Cannes, o filme 12 Jours é uma expressão exemplar da sua visão do mundo, tendo ficado como um dos mais prodigiosos títulos desta edição do certame. O registo documental da situação jurídica dos pacientes de um hospital psiquiátrico envolve, necessariamente, a evidência da loucura e a extrema dificuldade (legal, antes do mais) de lidar com as suas manifestações individuais. O que distingue Depardon das abordagens correntes, mais ou menos especulativas, é que ele não utiliza os meios do cinema para ilustrar um “tema”. Porquê? Porque, justamente, filmar é deparar com as resistências, explícitas ou ocultas, do objecto eleito pelo olhar e pela câmara.
Não se pense, todavia, que isso resulta da complexidade “psicológica” do assunto tratado. Em boa verdade, Depardon tem filmado, por exemplo, a França rural com a mesma atenção expectante. Não para sobrepor a sua verdade àquilo que filma, antes enfrentando a suprema dificuldade de promover as imagens a uma prova definitiva de verdade — é, de facto, um trabalho interminável, da mais pura dedicação humana.