Infelizmente, a continuada fabricação de "blockbusters" transformou-se, em muitos casos, na arte de destruir histórias com potencial — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 Agosto), com o título 'Stephen King em "blockbuster" de rotina'.
Qual o mais inquietante fantasma de produção que tem marcado o mundo dos “blockbusters” mais ou menos fantásticos e fantasistas? Convenhamos que não será a limitação de recursos técnicos. Aliás, com resultados “bons” ou “maus”, os estúdios americanos continuam apostados em gastar rios de dinheiro neste tipo de produções, por vezes com patéticos resultados de bilheteira... Em qualquer caso, o maior fantasma é o dos constantes adiamentos — há histórias que vão sendo adaptadas, revistas e corrigidas ao longo de muitos anos, de tal modo que um projecto tematicamente interessante se vai transformando num imenso pesadelo de produção.
Assim foi A Torre Negra, adaptação da série homónima do escritor Stephen King cuja produção se arrastou desde 2007, envolvendo vários estúdios (começou com a Universal, surgindo, finalmente, com chancela da Columbia Pictures) e cineastas (J. J. Abrams e Ron Howard foram hipóteses). Claro que uma década de atribulações não “explica” as virtudes ou limitações de um filme. O certo é que, neste caso, a banalidade dos resultados mostra que, ao longo de todo este tempo, ninguém soube muito bem o que fazer com a saga do jovem Jake Chambers (Tom Taylor) e a sua capacidade de, através de sonhos e desenhos, vislumbrar as convulsões de um mundo alternativo em que se trava uma batalha decisiva entre o Bem e o Mal.
Idris Elba e Matthew McConaughey, respectivamente o último dos Pistoleiros e o inquietante “Homem de Negro”, bem se esforçam por dar consistência a personagens que, em boa verdade, não passam de esboços anedóticos. Depois, cumpre-se a regra tristemente dominante neste tipo de objectos: as muitas linhas de força da intriga são menosprezadas (ou não foram minimamente trabalhadas pelos quatro responsáveis pelo argumento...), surgindo os ultra-convencionais efeitos especiais como tentativa de “compensação” — quantas vezes já vimos uma porta com uma luz a brilhar a dar passagem para... o outro mundo?
Tendo em conta as competências envolvidas, é pena que tudo isto aconteça. O mais penalizado será o próprio realizador, o dinamarquês Nikolaj Arcel. Conhecíamo-lo através de Um Caso Real, curioso drama histórico com Alicia Vikander e Mads Mikkelsen, que obteve uma nomeação para o Óscar de melhor filme estrangeiro de 2013. Fica por explicar porque é que alguém deduziu que a experiência de Arcel com as nuances históricas do século XVIII da Dinamarca o definia como uma boa escolha para tratar o mundo assombrado de Stephen King...