O veterano russo Andrei Konchalovsky está de volta com um filme admirável sobre as memórias do Holocausto — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 Abril), com o título 'Konchalovsky convoca-nos para os factos e fantasmas da guerra'.
O mais recente filme de Andrei Konchalovsky, Paraíso, corre o risco de ser olhado como um “resto” da corrida aos últimos Oscars. Foi, de facto, o candidato da Rússia na categoria de melhor filme estrangeiro, mas não chegou ao lote final dos cinco nomeados. Em qualquer caso, estamos perante um admirável objecto de cinema, capaz de emprestar nova e merecida visibilidade ao veterano Konchalovsky, aliás impulsionada pelo Leão de Prata (melhor realização) obtido no Festival de Veneza.
Com ou sem prémios, o certo é que Konchalovsky (nascido em Moscovo, a 20 de Agosto de 1937) será virtualmente desconhecido de muitos espectadores mais jovens. A última vez que o seu nome surgiu associado a um lançamento no mercado português foi em 2007, enquanto autor de um dos episódios da longa-metragem Cada um o seu Cinema, produzida pelo Festival de Cannes (para assinalar a sua edição nº 60).
Paraíso nasceu de uma coprodução entre Rússia e Alemanha, podendo inscrever-se numa “tendência” que tem sido pontuada por títulos emblemáticos como o alemão Lore (Cate Shortland, 2012), o polaco Ida (Pawel Pawlikowski, 2013) ou o húngaro O Filho de Saul (László Nemes, 2015) — os dois últimos, curiosamente, distinguidos com o Oscar de melhor filme estrangeiro. Trata-se de revisitar as memórias da Segunda Guerra Mundial e, muito em particular, de encenar a máquina de extermínio dos judeus montada pelos nazis.
Compreende-se, por isso, que não estejamos enredados na velha (e, afinal, redutora) questão da “reconstituição” dos factos. Para grandes narradores como Konchalovsky, obviamente marcado pela herança plural do cinema e da literatura do seu país, trata-se de saber que personagens podem ser reveladas e encenadas para além dos modelos consagrados pelas mais tradicionais matrizes dramáticas e ideológicas.