Jessica Chastain protagoniza um drama da Segunda Guerra Mundial cujo cenário principal é o Jardim Zoológico de Varsóvia — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Abril), com o título 'Crianças e animais'.
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Numa entrevista a propósito do seu trabalho com animais em O Jardim da Esperança, Jessica Chastain arriscava um paralelismo artístico, dando conta do seu gosto em trabalhar com outros seres “difíceis” como são as crianças. Não era uma curiosidade mais ou menos pitoresca. Nem significava, muito menos, qualquer menosprezo pela exigência profissional de uma carreira, sendo ela, além do mais, uma das mais admiráveis actrizes reveladas nos últimos anos (desde que a descobrimos, em 2011, em Coriolano, uma ousada versão de Shakespeare, protagonizada e dirigida por Ralph Fiennes). Acontece que contracenar com crianças pode envolver a revelação de um desconcertante desprendimento face aos poderes de fixação da câmara.
Não falo, como é óbvio, dos mecanismos de tipificação que encontramos em linguagens muito poderosas (e estereotipadas) como são as telenovelas ou, de um modo geral, a publicidade — muitas vezes, temos mesmo a sensação que, em tais universos, as crianças só têm direito a ser figuradas como inevitavelmente patetas, desagradáveis e destruidoras ou, então, exibindo a complexidade de argumentação de uma tese universitária.
Falo antes de uma espécie de desprendimento físico e emocional que se pode manifestar face à câmara de filmar — aliás, em boa verdade, como se a câmara não estivesse lá. Não é um tema específico do cinema que está em jogo. No limite, trata-se mesmo de uma questão com fundas raízes sociais que envolve, em particular, a capacidade (ou a impotência) para figurar o mundo infantil e juvenil. Aquilo que Chastain evoca não é o carácter “ligeiro” das personagens de crianças, antes o facto de a sua identidade instável envolver um desafio radical à compreensão do próprio factor humano — lidar com isso, dentro ou fora dos filmes, nunca é simples.