A RODA DA FORTUNA (1953) Cyd Charisse e Fred Astaire |
De que falamos quando falamos de La La Land? Será que o filme sustenta as inevitáveis comparações com os clássicos? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Janeiro), com o título 'O musical da nossa era virtual'.
Será possível comparar La La Land com a tradição clássica do musical de Hollywood, de Serenata à Chuva (1952) a West Side Story (1961), passando por A Roda da Fortuna (1953) ou Brigadoon (1954)? Lamento, mas não vejo como tal seja possível. E não só porque tal tradição se enraizava nos valores técnicos e artísticos de um sistema de produção que deixou de existir (por alguma razão conhecido como studio system). Também porque Damien Chazelle confunde a prática pueril da citação com a construção de uma narrativa.
As limitações de execução do filme ficam patentes logo na cena de abertura, no meio do trânsito de Los Angeles. Para além do academismo da coreografia, Chazelle regista tudo através dessa “estética de telemóvel” (triunfante nos dias que correm, é um facto) em que a agitação da câmara tem como primeiro efeito dificultar a própria percepção daquilo que nos é apresentado. Além do mais, mesmo que a opção seja algo irónica, não é fácil construir um par romântico (e musical) quando a agilidade dançante de Emma Stone e Ryan Gosling é muito limitada e ambos, sobretudo ele, cantam de forma muito aplicada, mas sem alma.
Provavelmente, no imaginário revivalista de Chazelle, tais limitações não constituem um problema, antes definem um método: para ele, a memória simbólica do cinema esgota-se no fingimento “à maneira de”. Na sua primeira longa-metragem, Whiplash (2014), para encenar a arte (?) de um baterista, ele achava mesmo que exibi-lo com as mãos em sangue era uma forma triunfal de exaltação do espírito do jazz... Ainda hoje me espanto como tal obscenidade simbólica não ofendeu os especialistas do jazz (mas esse é um problema meu).
Acontece que La La Land é um produto muito directo e, à sua maneira, muito genuíno e sincero (não é isso que está em causa) de uma nova cultura “cinéfila” construída a partir de uma visão fragmentada e fragmentária das próprias tradições que evoca e invoca. O conhecimento virtual (um fragmento, outro fragmento, um link, uma multidão de links) tende a satisfazer-se com a prática quotidiana da simulação.
No seu livro Amérique (Grasset, 1986), Jean Baudrillard dizia que os americanos vivem em permanente hiper-realidade, ignorando a própria simulação em que se movimentam: “São a configuração perfeita da simulação, mas não conhecem a sua linguagem, já que são a sua encarnação”. Tal estética do simulacro é igualmente importante para compreendermos Damien Chazelle ou Donald Trump. O autor de La La Land é, bem entendido, mais interessante.
>>> Trailer de West Side Story.
>>> Ensaios sobre o género musical no site da PBS.