Grégoire Leprince-Ringuet |
É a primeira revelação de 2017: chama-se Grégoire Leprince-Ringuet e estreou-se na longa-metragem com O Bosque dos Quincôncios — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Janeiro), com o título 'Um cineasta fascinado pela poesia dos quincôncios'.
Quincôncios. Palavra bizarra. Ou, pelo menos, desconhecida da maioria dos cidadãos. E, no entanto, trata-se de uma palavra que designa algo muito objectivo que, de uma maneira ou de outra, todos conhecemos ou podemos reconhecer: quincôncio é um modo peculiar de plantar as árvores, dispondo quatro delas nos vértices de um quadrado e a quinta no centro desse mesmo quadrado. O Bosque dos Quincôncios é um filme que começa, justamente, numa zona em que as árvores estão dispostas dessa maneira: o bosque da cena de abertura serve de cenário a um diálogo que parece selar a irrevogável separação de Paul (Grégoire Leprince-Ringuet) e Ondine (Amandine Truffy).
A seguir, no metro, Paul vê Camille (Pauline Caupenne), uma desconhecida, e cede ao impulso de a seguir nos labirintos da noite de Paris. De forma inusitada, aparentemente indecifrável, começamos a ouvir na banda sonora a Marcha Eslava, Op. 31, de Pyotr Ilyich Tchaikovsky. Comentário musical algo excêntrico? Talvez. O certo é que Paul descobre Camille num teatro, integrando um grupo que dança, freneticamente, ao som de Tchaikovsky. Num misto de surpresa e encantamento, Paul começa a dançar com Camille...
Esta descrição pouco elaborada garante, pelo menos, que estamos perante um filme que está longe de ser convencional ou previsível. Aquilo que começa como uma variação sobre um modelo tradicional da comédia romântica — A ama B, B abandona A, A encontra C —, vai-se transfigurando num exercício ironicamente teatralizado e subtilmente poético. Aliás, convém esclarecer que a evocação da poesia não envolve qualquer especulação (interpretativa ou crítica). Acontece que Grégoire Leprince-Ringuet, intérprete de Paul, também argumentista e realizador de O Bosque dos Quincôncios, escreveu o seu filme em verso, apelando a uma ambivalência em que a carnalidade das emoções não é repelida, antes parece sair reforçada, pelo artifício da palavra.
Nascido em Paris, em 1987, Leprince-Ringuet foi membro do coro infantil da Ópera de Paris, tendo-se estreado no cinema sob a direcção de André Téchiné, em Os Fugitivos (2003). Vimo-lo também, por exemplo, em As Canções de Amor (2007), de Christophe Honoré, ou Mistérios de Lisboa (2011), de Raul Ruiz.
Produzido pelo português Paulo Branco (através da sua empresa francesa Alfama Films), O Bosque dos Quincôncios é a primeira grande e fascinante revelação de 2017. O simples facto de se tratar de um filme construído a partir da sensualidade da palavra seria suficiente para o demarcar de muito cinema contemporâneo formatado pela ostentação gratuita da imagem. Ao mesmo tempo, o gosto surreal de Leprince-Ringuet, alicerçado no aparente naturalismo do quotidiano, remete-nos para uma riquíssima tradição francesa que passa pela referência tutelar de Jean Cocteau e, claro, pelas muitas variações “teatrais” de Jacques Rivette. Afinal de contas, a geometria dos quincôncios duplica os labirintos do amor.