J. L.: O facto comercial tem sido sublinhado pela crítica que não confunde o jornalismo com uma mera câmara de eco das parangonas do último "blockbuster". A saber: é mesmo verdade que as reposições de filmes voltaram a ser um acontecimento regular do mercado cinematográfico, criando pontes para uma relação mais disponível, e também mais inteligente, com a pluralidade das memórias cinéfilas. Nesse aspecto, Barry Lyndon (1975) não foi, obviamente, um facto isolado em 2016. Em todo o caso, o reencontro com o prodigioso filme de Stanley Kubrick teve um significado especial, quanto mais não seja porque a sua riqueza visual — direcção fotográfica do grande John Alcott — foi pensada e fabricada para ser descoberta no território singular de uma sala escura. Desligar o computador e ir ao cinema, eis a questão.
N. G.: Depois de Horizontes de Glória e Spartacus, a ideia de fazer um novo filme de “época” não era para Kubrick uma novidade em si. Mas a procura de uma dimensão maior na amplitude dos retratos e na magnificência dos olhares entrava na ordem do dia quando, depois de 2001: Odisseia no Espaço, tomou a vida de Napoleão como objetivo do filme seguinte, desenvolvendo um trabalho de investigação intenso e minucioso que lhe punha nas mãos já um guião, uma escolha de décors e um vasto leque de imagens com guarda-roupa e objetos de época quando, perante o fracasso de um outro filme contemporâneo sobre a batalha de Waterloo, fez o estúdio vacilar e retirar o entusiasmo (e o dinheiro) que seria fundamental investir. Em seu lugar Kubrick fez A Laranja Mecânica (1972), baseada no texto homónimo de Anthony Burgess. Por essa altura já havia pensado em adaptar ao cinema um romance de William Makepeace Thackery, escritor do século XIX com frequentes olhares satíricos sobre a sociedade do seu tempo. Optaria por partir então de The Luck of Barry Lyndon, um livro seu com ação centrada em meados do século XVIII, acompanhando as atribuladas etapas de vida de um irlandês com espírito resoluto e alma de aventureiro que tudo teve e tudo depois perdeu.
Se o trabalho de investigação para o arquivado biopic sobre Napoleão (do qual uma edição da Taschen nos disponibilizou recentemente o vasto material escrito e visual recolhido por Kubrick) foi meio caminho andado nesse departamento, já a rodagem propriamente dita abraçou a dimensão exuberante que o filme traduz, sublinhando o perfecionismo com que o cinema do realizador já então radicado no Reino Unido encarava cada novo desafio. Não ficámos a perder... E este ano tivemos a oportunidade de o constar em sala. Foi bom. Foi muito bom!