terça-feira, janeiro 03, 2017

2016, um disco — "Blackstar"


N. G.: Está praticamente a passar um ano sobre a data em que este disco era anunciado como um novo disco a ser lançado no dia em que David Bowie celebraria o seu 69º aniversário. Da memória dos dois temas do single editado em 2014, no qual estabelecera uma desafiante colaboração com a orquestra de Maria Schneider às sugestões recentes do tema-título (um dos mais assombrosos dos singles de toda a obra do músico) e do assombrado Lazarus (do qual não descodificámos na altura a profundidade do seu real sentido), sabíamos que Blackstar seria um espaço de experimentação como há muito não se ouvia num disco seu. Desde 1995. Desde 1.Oustide, para sermos precisos. Mas aqui havia algo de novo em jogo. Apesar de uma vivência com o saxofone que precede todos os seus discos e de pontuais experiências em outros álbuns, nunca o jazz habitara o tutano de um disco seu. Nem nenhum parecia tão cheio de negrume como este que se anunciava. Se a 8 de janeiro, de 2016, a escuta das canções confirmou todas estas (melhores) expectativas com aquele que era até o seu melhor álbum desde o trio de discos "berlinenses" de finais dos anos 70, foi contudo dois dias depois que compreendemos a verdade aterradora que habitava todas aquelas canções. Aquele era um programa de despedida. Tão secreto, críptico e, ao mesmo tempo, arrebatador, como tudo aquilo a que nos habituou. 

J. L.: E se a morte fosse apenas uma canção?... Seja qual for a perspectiva por que encaremos o derradeiro álbum de David Bowie (ou até a sua obra global), não é possível contornar um facto tão simples quanto desarmante. A saber: com Blackstar, ele fez questão em escrever o derradeiro capítulo de uma serena autobiografia. Nada a ver com o narcisismo corrente de "famosos" & Ca. O que aqui encontramos enraíza-se numa ética e numa estética que recusam o aparato espectacular (?) com que a maioria dos circuitos mediáticos passou a lidar com a certeza da morte. Será preciso acrescentar que tudo isto envolve uma tocante celebração de vida? Rock'n'roll.