Chegou mais um título com a marca Star Wars, agora integrada nos estúdios Disney — este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 Dezembro), com o título 'Aventuras do Rato Mickey'.
A saga da Guerra das Estrelas é um daqueles fenómenos que, como é hábito dizer-se, possui uma legião de fãs... Ora, tal facto pode alimentar muitas secções de curiosidades, mas pouco nos diz sobre um tema realmente interessante. A saber: neste, como noutros fenómenos, como encarar a pluralidade do público?
Que está, então, a acontecer? Algo de estranhamente paradoxal. O episódio VII, O Despertar da Força (2015), realizado por J. J. Abrams, era um objecto enérgico, capaz de relançar algumas matrizes mitológicas de George Lucas e, em particular, criar uma verdadeira personagem dramática, Rey, interpretada por uma notável actriz inglesa, de seu nome Daisy Ridley.
Agora, em Rogue One, repete-se a celebração de uma figura feminina, Jyn Erso, esforçadamente assumida por Felicity Jones, mas a actriz não tem nada de suficientemente denso para defender. Prevalece, assim, uma antologia de “situações” (incluindo o longuíssimo e monótono combate que ocupa o núcleo do filme) que se confundem com variações menores de banal jogo de vídeo, de tal modo privilegiam a “agitação” visual contra a intensidade do drama.
Lembremos, por isso, que há já uma ou duas gerações de espectadores cuja visão (do espectáculo, precisamente) foi formada pelos jogos de vídeo. Não é um problema de maior ou menor inteligência, mas sim algo que envolve um complexo factor identitário: a disponibilidade do olhar. Não se pode esperar, por exemplo, que um espectador “apenas” formado por tais parâmetros visuais e narrativos se interesse (por si só) pela vertigem perturbante de Lágrimas e Suspiros (1972), de Ingmar Bergman...
Agora que a saga pertence ao império Disney, será que o estúdio do Rato Mickey corre o risco de tornar asséptico aquilo que era já um capítulo à parte na história da cultura popular? A requintada concepção de alguns cenários e, sobretudo, o esforço do compositor Michael Giacchino no sentido de assumir a herança de John Williams são factores relevantes [audio: The Imperial Suite]. Resta saber se alguém se esqueceu que o elemento mais visceral da herança de Lucas é o gosto de contar histórias.