Marion Cotillard + Xavier Dolan + Nathalie Baye |
Dir-se-ia que Xavier Dolan se perdeu, momentaneamente, no seu próprio estatuto de vedeta "juvenil" — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 Outubro), com o título 'Xavier Dolan enredado na sua “imagem de marca"'.
Consagrado com o Grande Prémio do Júri, em Cannes, aí está Tão Só o Fim do Mundo, de Xavier Dolan, candidato pelo Canadá a uma nomeação para o Oscar de melhor filme estrangeiro. Desta vez, o jovem realizador canadiano (n. 1989) não participa como intérprete. Para adaptar a célebre peça homónima do francês Jean-Luc Lagarce (1957-1995), sobre um escritor que decide dar conta à família do facto de sofrer de uma doença terminal, Dolan contou com um elenco de luxo que inclui Marion Cotillard, Vincent Cassel, Léa Seydoux, Nathalie Baye e Gaspard Ulliel (no papel do escritor).
É bem verdade que a energia do trabalho de Dolan tem passado, e muito, por uma elaborada relação com os actores. Lembremos os magníficos exemplos de Laurence para Sempre (2012), porventura a melhor composição de toda a carreira de Melvil Poupaud, ou Tom na Quinta (2013), em que o próprio Dolan interpreta as convulsões de uma personagem enredada no labirinto da sua identidade sexual, num exercício de invulgar exposição e comoção. Infelizmente, no caso de Tão Só o Fim do Mundo, a ostentação dos actores tende a sobrepor-se ao próprio drama — como se estivéssemos a assistir a uma colagem de “experimentações”, porventura arriscadas, mas que, em última instância, ignoram a intensidade humana do que está em jogo.
Na sua exuberância auto-complacente, o filme surge numa curiosa conjuntura que vale a pena compreender para além dos dados específicos do mercado cinematográfico. Assim, soubemos recentemente que Dolan se “tornou um realizador” para se poder “exprimir como actor”. Tal confissão está disponível no site da marca Louis Vuitton e acompanha a apresentação da campanha da linha de produtos “Ombré”, protagonizada pelo próprio Dolan.
Digamos, para simplificar, que o jovem e talentoso canadiano tem muita sorte: por muito menos, outras personalidades mediáticas já foram achincalhadas pelo jornalismo mais moralista com o rótulo de perigosos “aliados” do mundo dos negócios e da moda. Porque é que isso não está a acontecer com Dolan? Por uma razão muito linear que, aliás, a citada campanha ilustra com evidente perspicácia e elegância: nos seus radiosos 27 anos, Dolan encaixa perfeitamente no cliché do “jovem rebelde” reverenciado pela retórica dominante dos meios de comunicação.
Dir-se-ia que o talentoso actor/cineasta que fez Amores Imaginários (2010), celebrando a nostalgia do melodrama e, por isso mesmo, uma especial relação criativa com a música, se enredou na sua própria “imagem de marca”. Nesta perspectiva, Tão Só o Fim do Mundo perde em intensidade emocional aquilo que ganha (?) como ilustração pública dessa imagem. Esperemos que o próximo filme envolva algum tipo de auto-crítica: chamar-se-á The Death and Life of John F. Donovan, está agendado para 2017 e, como sempre, apresenta um elenco que apetece descobrir: Jessica Chastain, Natalie Portman, Michael Gambon, etc.