segunda-feira, outubro 31, 2016

Marilyn — memórias fotográficas (3/4)


Uma exposição em França, numa instituição de Aix-en-Provence, refaz a história de Marilyn Monroe através de algumas das suas mais emblemáticas fotografias — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Outubro), com o título 'A arte de fazer pose segundo Marilyn'.

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Nascido na Transilvânia, no então império austro-húngaro, [Andre de] Dienes fixara-se em Los Angeles na década de 1930. Quando conheceu Norma Jeane em 1945 — ele com 32 anos, ela com 19 —, fotografou-a ao longo de uma viagem de milhares de quilómetros através dos estados de Califórnia, Arizona, Nevada e Oregon, com um resultado paradoxal: o portfolio corresponde ao bloco-notas de uma história de amor e também ao nascimento de uma “pin-up”. Afinal de contas, a própria Marilyn nunca escondeu que as suas poses iniciais, para revistas e calendários, corresponderam a uma muito básica forma de sobrevivência.
Entre as imagens desse período, o lendário nu assinado por Tom Kelley em 1949 entraria na mitologia erótica da década seguinte, ao ser publicado, em Dezembro de 1953, na primeira edição da revista Playboy. Grandes mestres do século XX estão, obviamente, representados, incluindo Cecil Beaton (1904-1980), Philippe Halsman (1906-1979) e Milton Greene (1922-1985), este último o que mais a fotografou no período de maior glória em que protagonizou filmes como Niagara (Henry Hathaway, 1953), Os Homens Preferem as Louras (Howard Hawks, 1953), Rio Sem Regresso (Otto Preminger, 1954), o já citado O Pecado Mora ao Lado e Paragem de Autocarro (Joshua Logan, 1956).
Em qualquer caso, talvez só o muito pouco lembrado Ed Feingersh (1925-1961) se tenha aproximado da sensação de intimismo e cumplicidade que encontramos nas fotografias assinadas por Sam Shaw ou Andre de Dienes. Foi o próprio Milton Greene que lhe propôs a tarefa de retratar os bastidores de trabalho de Marilyn. Feingersh apenas a acompanhou durante uma semana (de 24 a 30 de Março de 1955), mas o seu portfolio sabe dar a ver tanto o elaborado aparato dos ensaios quanto a vulnerabilidade de uma “mulher como as outras”, na altura a viver de forma discreta no Ambassador Hotel, por vezes deambulando, incógnita, pelas ruas de Manhattan.
Como se escreve no texto de apresentação da exposição de Aix-en-Provence, a relação de Marilyn com a fotografia enraíza-se num tempo anterior à entrada no universo de Hollywood: “Desde muito jovem, devorava as revistas de cinema e as suas imagens idealizadas, despertando-a para o interesse pela fotografia. Ao começar como modelo e ‘pin-up’, rapidamente se apercebeu de como a imagem seria importante no lançamento da sua carreira no cinema.”
Resta não esquecer que o título da exposição, “I Wanna Be Loved By You” (à letra: “quero ser amada por ti”) é o verso de abertura, e também o título, de uma canção que Marilyn canta nessa obra-prima da comédia clássica que é Some Like it Hot/Quanto Mais Quente Melhor (1959), de Billy Wilder. No refrão, ela acrescenta alguns sons plenos de promessas: “Boob-boop-a-doop!”... [video] Há coisas que, de facto, importa não tentar explicar.


[continua]