O cinema da Roménia continua a dar provas de uma exemplar vitalidade artística e social — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 Outubro), com o título 'Comédia do absurdo em tom romeno'.
Ao longo dos últimos anos, a procura de um realismo social que não se confunda com as convenções moralistas do “naturalismo” televisivo adquiriu especial significado no interior da produção cinematográfica da Roménia. Um sintoma exemplar poderá ser 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, o filme com que Cristian Mungiu ganhou o Festival de Cannes de 2007. No interior dessa conjuntura criativa, Corneliu Porumboiu (n. 1975) tem sido um dos nomes fundamentais, oscilando entre o drama mais puro e a sátira à beira do burlesco — o seu trabalho está de volta ao mercado português com a estreia de Tesouro.
Revelado em 2015, em Cannes, Tesouro é mais um sintoma do peculiar humor de Porumboiu, nessa medida aproximando-se de 12:08 A Este de Bucareste (2006), uma crónica implacável sobre os bastidores de uma estação regional de televisão. O ponto de partida envolve, agora, uma ironia que atrai o mais contagiante absurdo: tudo se passa em torno de um homem que acredita que, algures, nos terrenos de uma propriedade familiar, está escondido um tesouro; começando por mobilizar um amigo, ei-los entregues à odisseia de encontrar uma agulha em palheiro...
O riso silencioso, mas contagiante, de Tesouro nasce menos dos mecanismos tradicionais da fala (quase sempre à procura desse clímax que os americanos gostam de chamar “punch line”) e mais da crescente bizarria da própria situação: aqueles homens à procura de uma riqueza desconhecida, talvez redentora, são, afinal, expoentes de uma teia social em que a qualidade das relações humanas não é necessariamente o valor mais estimado.
Dito de outro modo: mesmo atraído pelas mais bizarras manifestações de insensatez, o olhar de Porumboiu mantém-se fiel ao detalhe realista e à sua contagiante vibração. É uma boa lição, humilde e pedagógica, vinda de uma pequena cinematografia — e mesmo não esquecendo que estas coisas não se transpõe automaticamente para outros contextos, haverá outras pequenas cinematografias que ganhariam em estar atentas a tal lição.