segunda-feira, outubro 24, 2016

Tom Cruise / Jack Reacher

A personagem de Jack Reacher está a transformar-se num novo conceito de produção de e com Tom Cruise — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Outubro), com o título 'Tom Cruise à procura de uma nova “franchise"'.

Tom Cruise não brinca em serviço. Envolvido como actor/produtor na série Missão Impossível, desde 1996 (iniciada com um filme magnífico, assinado por Brian De Palma), ele conhece bem o valor comercial dos filmes centrados nas aventuras de uma personagem capaz de combinar mistério e ousadia — neste caso, o agente super-secreto Ethan Hunt. Como se diz na gíria da indústria, estamos perante uma “franchise” de sucesso: os cinco títulos já produzidos (há um sexto previsto para 2018) acumularam uma receita global de quase 2,8 mil milhões de dólares (um pouco mais que 2,5 mil milhões de euros).
2012
Se outras razões não houvesse, tal contabilidade seria suficiente para explicar o interesse de Cruise pela personagem de Jack Reacher, saído das páginas dos romances do inglês Lee Child: um ex-major, aventureiro mais ou menos anónimo, mais ou menos errante, apostado em combater os que utilizam os seus poderes de forma abusiva. E aí o temos, pela segunda vez, a produzir e interpretar Jack Reacher: Nunca Voltes Atrás, quatro anos passados sobre o lançamento do primeiro título, Jack Reacher, com a mesma personagem; em 2012, a realização era assinada por Christopher McQuarrie (também responsável por Missão Impossível V), agora é o veterano Edward Zwick a comandar as operações.
O mais curioso na personagem de Reacher é o seu anacronismo cinematográfico. Ao contrário de Ethan Hunt, ele não é alguém que aplique a mais sofisticada tecnologia para conseguir os seus intentos: distingue-se por uma invulgar força e agilidade, mas sem que isso lhe empreste qualquer dimensão sobre-humana próxima das características de alguns super-heróis. Podemos até considerá-lo como uma actualização perversa de um modelo de herói que provém do western clássico: um vingador que deambula pelas paisagens (agora urbanas), sempre empenhado em repor a ordem.
2016
Através desse dispositivo, Jack Reacher: Nunca Voltes Atrás colecciona de forma discreta, mas sugestiva, alguns sinais perturbantes que podemos ler como outros tantos fantasmas da América contemporânea. Desde a falibilidade das hierarquias à presença das drogas no quotidiano, o filme possui essa capacidade de expor alguns sintomas dos medos e inquietações de um país, nessa medida fazendo lembrar o espírito dos velhos “filmes negros” da época áurea de Humphrey Bogart & Cª.
Infelizmente, os resultados estão muito limitados pela “obrigação” de cumprir uma agenda de cenas (ditas) de acção que, em boa verdade, por vezes, cortam a própria intensidade dramática dos eventos narrados. Edward Zwick é, obviamente, um profissional que sabe manter-se atento aos pormenores e ambiguidades de cada situação, mas não consegue que Jack Reacher: Nunca Voltes Atrás supere uma mediania mais ou menos previsível. Ponto importante é o contraponto feminino: Cobie Smulders faz o que pode na companhia de Cruise, mas está longe de conseguir assumir o tom de festivo desafio ao herói masculino encarnado de forma brilhante, no primeiro filme, por Rosamund Pike.