A capa da nova edição da revista de Cristina Ferreira é uma esclarecedora amostra da pobreza do imaginário erótico e iconográfico do seu universo artístico. Claro que está concebida para que proliferem os discursos em torno da nudez — vivemos, afinal, num tempo e numa sociedade em que a ideologia dominante (particularmente agressiva na imprensa "cor-de-rosa") faz crer que o nu constitui uma automática transgressão de qualquer coisa... Em boa verdade, nunca se diz o que está a ser transgredido, promovendo-se apenas a ideia (?) segundo a qual dar a ver um corpo nu é qualquer coisa que faz andar o mundo de forma "diferente", porventura "revolucionária".
De facto, o que está em jogo é de outra natureza. Até porque a fotografia da capa não passa de uma aproximação medíocre de uma matriz que Helmut Newton (1920-2004) experimentou em brilhantes variações, nomeadamente no célebre díptico "Elas estão a chegar (nuas)", de 1981.
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O que está em jogo é, como sempre, de natureza discursiva e, num certo sentido, "literária". Isto porque a capa sobrepõe à imagem a palavra obsessiva deste tristíssimo imaginário erótico: "sedução". Dizem as notícias que tudo isto se integra numa estratégia de marketing para promoção de um perfume. Mas o mais espantoso é a indigência da escrita que sustenta tal estratégia. Leia-se o texto com que a própria Cristina Ferreira explica o lançamento do seu produto, texto em que podemos encontrar inanidades como estas:
>>> Surgem as primeiras fotos a cinza prata no Facebook e Instagram. Exactamente a cor do perfume que iríamos lançar. Não sei mentir. Disseram todos. Disse apenas que tudo aquilo que publicávamos ficava assim. Estávamos a resolver a situação. E estávamos. A noite desvendaria o segredo. As pistas que fomos dando também. Um código com letras, uma contagem decrescente, uma transmissão em directo. Vivi pela primeira vez as emoções de quem está nos bastidores da Moda Lisboa. Ao longo do dia fui aumentando a ansiedade, fui sentindo um friozinho na barriga próprio dos grandes momentos da vida.
Não se trata, portanto, de nos fixarmos na "ousadia" da imagem (de facto, produto do academismo publicitário dominante), como não se pretende encurralar o direito ao comércio e ao marketing num qualquer beco moralista. Nada disso. Trata-se tão só de voltar a observar como tudo isto acontece numa paisagem de crescente instrumentalização da língua, reduzida a objecto anódino de celebração de coisa nenhuma (excepto, claro, o produto em promoção).
Cristina Ferreira escreve mesmo, triunfante, descrevendo o quadro por si protagonizado na Moda Lisboa: "(...) o homem do meu perfume, surge e, pela primeira vez, se percebe que traz um perfume. Já a sala estava invadida pelo cheiro que foi sendo espalhado. Num estrondo que faz estremecer a sala vêem-se as primeiras imagens. E apareço eu."
Dir-se-ia que o seu inusitado prodígio de comunicação consiste em conseguir pôr a circular, socialmente, palavras como estas, acreditando ou tentando fazer acreditar que, em tais performances, ela própria se realiza através da auto-revelação de um irrisório suplemento de alma. Eis ao que chegou a metafísica.
Dir-se-ia que o seu inusitado prodígio de comunicação consiste em conseguir pôr a circular, socialmente, palavras como estas, acreditando ou tentando fazer acreditar que, em tais performances, ela própria se realiza através da auto-revelação de um irrisório suplemento de alma. Eis ao que chegou a metafísica.