terça-feira, julho 05, 2016

Bowie na Cinemateca (1/2)

Desde o dia 1, está a decorrer na Cinemateca um ciclo dedicado a David Bowie — este texto foi publicado no Diário de Notícias (1 Julho), com o título 'David Bowie, figura bizarra e sedutora também no cinema'.

Quando evocamos David Bowie como figura cinematográfica, vêm à memória duas ou três referências emblemáticas, a começar pelo drama de guerra Feliz Natal, Mr. Lawrence (1982), de Nagisa Oshima, em que contracenava com Ryuichi Sakamoto, passando pelo mundo fantástico de Labirinto (1986), dirigido pelo mago dos Marretas, Jim Henson. O certo é que podemos definir um retrato cinematográfico de Bowie muito mais amplo que, embora cruzado com a música, sublinhe as suas singularidades como actor. É essa, justamente, a proposta da Cinemateca através de um ciclo que começa hoje [dia 1] e vai pontuar todo o mês de Julho.
O evento apresenta-se com um título de saboroso simbolismo: “Absolutamente Bowie”. Em termos históricos, trata-se de evocar o filme que serve de abertura ao ciclo, Absolute Beginners/Absolutamente Principiantes (1986), retrato da cena musical de Londres, em finais da década de 50, com Bowie a interpretar um cantor fictício (Vendice Partners) que, por assim a dizer, faz a ponte entre uma sensibilidade rock’n’roll, algo jazzística, e a eclosão dos Beatles e Rolling Stones.
A realização pertence a Julien Temple, inglês que se distinguira como autor de um filme sobre os Sex Pistols (The Great Rock’n’Roll Swindle, 1979), tendo dirigido em 1984 o teledisco de uma canção de Bowie, Blue Jean (que, aliás, começou por ser uma curta-metragem de 20 minutos intitulada Jazzin’ for Blue Jean). A nostalgia festiva de Absolute Beginners não teve grande impacto junto da maior parte da crítica e, no plano comercial, redundou num apoteótico falhanço — ironicamente, com a passagem dos anos, ascendeu à condição de objecto de culto.
A afirmação cinematográfica de Bowie dera-se uns anos antes, em 1976, através de o, aventura de um “alien” no planeta Terra dirigida por Nicolas Roeg. Escusado será sublinhar que o extra-terrestre interpretado por Bowie foi visto como uma derivação iconográfica das personagens inventadas pelo próprio, com destaque para o bizarro e sedutor Ziggy Stardust, “alter ego” do álbum The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972).
A memória da curta existência de Ziggy veio a tornar-se indissociável do cinema. O derradeiro concerto em que Bowie se apresentou como tal (a 3 de Julho de 1973, no Hammersmith Odeon, em Londres) ficou registado num filme há muito celebrado como um clássico do género: Ziggy Stardust and the Spiders from Mars [video: canção Ziggy Stardust], realizado pelo documentarista americano D. A. Pennebaker, um notável especialista neste registo (é dele o célebre Dont Look Back, sobre a histórica digressão britânica de Bob Dylan, em 1965).