Quando chega La Fille Inconnue, dos irmãos Dardenne, sentimos que mudamos de universo. Não porque eles nos falem de mundos mais ou menos galácticos, antes porque partem da "neutralidade" do quotidiano para, pacientemente, metodicamente, nos exporem o que nele é simulacro, equívoco ou apenas desgaste de percepção imposto pelo labor das ideologias dominantes. A história da médica (espantosa Adèle Haenel!) que tenta desvendar o enigma da "rapariga desconhecida" a que o título se refere transfigura-se, assim, num exercício crítico de realismo humanista, muito à frente de quase tudo o que tem sido possível ver neste festival — olhar o mundo é também discutir os pressupostos, valores e expressões da sua (des)ordem.