terça-feira, abril 19, 2016

Paul Verhoeven no IndieLisboa (2/2)

O HOMEM TRANSPARENTE (2000)
Paul Verhoeven é um dos "heróis independentes" da 13ª edição do IndieLisboa — este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 Abril), com o título 'A independência irónica de Paul Verhoeven'.

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O gosto de espectáculo de Verhoeven enraíza-se numa espécie de reconversão paródica da aliança “sexo & violência” que, na altura [primeira metade dos anos 70], balizava muitas discussões sobre as fronteiras do cinema (ainda hoje não saímos desse simplismo). Aliás, antes da integração no cinema americano, ele já assinara o épico medieval Amor e Sangue (1985), bem típico de tal visão. Reforçou-a logo após RoboCop, com Total Recall/Desafio Total (1990), transformando um conto de Philip K. Dick numa espécie de ópera bufa abrilhantada pelo inimitável Arnold Schwarzenegger.
Seguiu-se Instinto Fatal (1992), o filme que fez de Sharon Stone uma estrela, ao mesmo tempo que comprometeu para sempre a sua carreira — ser reduzida pela imprensa mais frívola de todo o planeta àquela “que abria as pernas” não é coisa simples. Bem sabemos que Stone pode ser admirável (veja-se Casino, de Martin Scorsese, lançado três anos mais tarde), mas nada disto acontece de forma inocente. No limite, a principal vítima foi o próprio filme: Instinto Fatal é um “thriller” suavemente inteligente, jogando com a ambivalência moral do olhar do próprio espectador, mas não foi por isso que ficou na história. Depois de todos os processos de demonização a que foi sujeito pelos mais diversos preconceitos anti-americanos, vê-lo agora programado com o rótulo de “obra independente” pode ser um “gag” salutar.
Por ingenuidade ou megalomania (uma coisa parece poder atrair a outra), Verhoeven lançou-se, então, na realização de Showgirls (1995), crónica sobre o mundo do “striptease” em Las Vegas. Dir-se-ia o filme erótico para acabar com todos os filmes eróticos... Os resultados ficaram como involuntariamente cómicos, com um saldo pouco simpático para o realizador — para além do apoteótico desastre comercial, o filme foi acompanhado por um grosseiro ritual de purificação (mediática e industrial). Em Hollywood, Verhoeven ainda fez Soldados do Universo (1997) e O Homem Transparente (2000), este uma brilhante variação sobre o 'Homem Invisível' (a meu ver, o objecto mais consistente de toda a sua filmografia). E voltou a trabalhar na Europa, sendo Elle, um “thriller” com Isabelle Huppert, o título que concluiu recentemente [seleccionado para a competição de Cannes].
Em Novembro de 2015, homenageado no Festival de Key West, na Florida, proclamou: “Sobrevivi a Showgirls!”. E adivinhem qual o filme projectado na homenagem? Showgirls. Na altura, em entrevista ao site IndieWire, Verhoeven formulou mesmo um voto cândido: “Claro que há elementos exagerados em Showgirls que podemos considerar irónicos ou satíricos. Em algumas entrevistas logo a seguir ao seu desastre, eu disse que, no espaço de 50 anos, as pessoas o veriam de modo diferente. Foi o que eu disse. Creio que é um filme elegante, muito bem feito de um ponto de vista artístico e visual.” Ainda antes de tão imperiosa reflexão, agendada para 2045, Showgirls será projectado, daqui a poucas semanas, em Lisboa.