O Netflix chegou a Portugal, directa ou indirectamente obrigando a repensar o funcionamento comercial do espaço televisivo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 Outubro).
Esta foi a semana de lançamento do serviço de streaming Netflix em três países europeus: Itália, Espanha e Portugal. Depois do seu enorme impacto no mercado americano, o Netflix obriga a repensar todas as estratégias de difusão em televisão e na Internet — e, sobretudo, de difusão dos produtos cinematográficos.
Não creio que adiante muito colocarmo-nos numa posição ingenuamente futurista (“o Netflix vai impor uma matriz única de difusão”) ou enquistarmo-nos numa nostalgia pré-histórica (“os filmes só devem ser vistos nas salas escuras”). As nuances são muitas e, por certo, diferentes de país para país. Por alguma razão, no Festival de Cinema de Roma [16/24 Out.], o impacto do Netflix na Europa tem sido tema fulcral dos colóquios promovidos no âmbito do respectivo mercado.
Em todo o caso, no contexto português, talvez seja inevitável reconhecer que o Netflix “cai” numa paisagem comercial em que, infelizmente, há muito tempo, assistimos a uma dramática desertificação cinematográfica. Dito de outro modo: por opção ou contágio, as televisões generalistas secundarizaram o cinema, não apenas através da sua colocação em horários cada vez mais noctívagos, mas também consagrando a ditadura narrativa da telenovela (ainda está por aparecer um filme capaz de transformar as matrizes de telenovela em qualquer coisa de especificamente cinematográfico...).
Em boa verdade, o que está em jogo não se esgota na guerra concorrencial que, por certo, se vai abrir entre o Netflix e os diversos operadores e canais que, de uma maneira ou de outra, difundem produtos cinematográficos. O que está em jogo envolve a necessidade de pensar o triunfo de uma cultura audiovisual em que o cinema, como linguagem específica, tende a ser reduzido a uma curiosidade pitoresca sem história nem património. Em última instância (e muito para além do Netflix), trata-se de discutir a educação para as imagens televisivas e cinematográficas. Quem, da nossa classe política, se interessa pelo assunto?