segunda-feira, outubro 05, 2015

Futebol — ver e não ver

O futebol televisivo tende a já não reagir aos acontecimentos: independentemente dos resultados, tudo parece estar previamente formatado — este texto foi publicado no Diário de Notícias (2 Outubro).

1. Não precisamos de pensar todos o mesmo para sermos solidários. Em tudo ou quase tudo, incluindo o futebol. Em todo o caso, no futebol televisivo há muito que triunfou uma espécie de absurda inversão. A saber: a solidariedade parece só poder nascer da “obrigação” de pensarmos todos o mesmo. O exemplo quotidiano disso mesmo é a redução de qualquer assunto futebolístico a alguma variação sobre temas, personagens ou militâncias dos três “grandes”. Esta semana, não seria necessário desencadear uma revolução jornalística para lembrar (e, já agora, celebrar) o facto de duas equipas “secundárias”, Braga e Estoril, terem o mesmo número de pontos de um desses “grandes”, aliás com ele partilhando o terceiro lugar, apenas a dois pontos dos dois primeiros. Será que, em algum momento, apenas em nome da pluralidade informativa, Braga e Estoril tiveram o destaque que mereciam?

2. A formatação futebolística não se traduz apenas em infinitas horas de “debates”, “análises” e “antecipações”, sem esquecer os sagrados autocarros em movimento... Tal formatação padece de uma trágica limitação estrutural que, no limite, faz com que (quase) ninguém olhe para aquilo que surge no ecrã. A transmissão do jogo Boavista – Sporting (SportTV) pode servir de sintoma exemplar (sendo possível encontrar casos do mesmo teor em transmissões de outros países).


De facto, não seria necessário ter qualquer especialização televisiva ou tecnológica para ver que os equipamentos das duas equipas (um preto e branco, outro branco e verde), sobretudo nos planos abertos de um directo, se confundiam, dificultando a identificação dos jogadores de cada equipa. Como é possível que um acontecimento que envolve avalanches de marketing e decisores, no interior de um universo que movimenta tantos milhões, não seja pensado, antes de tudo o mais, através do efeito visual que vai produzir? Já não sei do que falavam os comentadores, mas tenho a certeza que vogavam, felizes, nos êxtases de outra galáxia...