M. Night Shyamalan está de regresso ao seu melhor, com A Visita, um filme construído a partir de imagens registadas pelas próprias personagens principais — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 Setembro), com o título 'Jogo de espelhos'.
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Com os nossos olhares todos os dias agredidos pelo “naturalismo” televisivo, A Visita não se esgota enquanto acontecimento cinematográfico — é um verdadeiro objecto de resistência. A quê? Pois bem, à chantagem moral segundo a qual devemos aceitar como inquestionável a “transparência” do audiovisual. Ao construir o seu filme através das imagens (e sons) que os seus jovens heróis obtêm através das respectivas câmaras, M. Night Shyamalan monta um verdadeiro jogo de espelhos que nos leva a reavaliar duas verdades muito antigas, hoje em dia frequentemente menosprezadas, ou tidas mesmo como escandalosas: primeiro, que representar o mundo é também uma forma de o pensar; segundo, que aquilo que vemos, avaliamos e interpretamos como evidente ou racional não passa de uma das infinitas possibilidades de figuração desse mesmo mundo (como diz a linguagem cinematográfica, quase sempre ignorada pelos dispositivos televisivos, há sempre um mais além da imagem que está “fora de campo”).
Contra a desvalorização corrente de qualquer forma de pensamento, importa acrescentar que, ao explorarem as fronteiras da complexa vida das imagens (e sons), autores como Shyamalan não estão a fazer “tese” para abrilhantar programas “culturais”. Nada disso. Há neste cinema um humor genuíno e radical que, no essencial, procura desafiar o espectador para o prazer de pensar — como sabemos, esse prazer faz medo.