Guillaume Canet e Adèle Haenel |
Aos 72 anos de idade, com uma obra iniciada em finais dos anos 60, André Téchiné continua a ser um nome fulcral do cinema francês. O seu filme mais recente, O Homem Demasiado Amado, foi o ponto de partida para uma conversa, em exclusivo, para o Diário de Notícias (29 Junho) — esta entrevista foi publicada com o título 'Gosto de filmar com a câmara perto dos corpos'.
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Estranhamente, quando O Homem Demasiado Amado passou em Cannes (2014), dir-se-ia que muitos franceses não conheciam o "caso Le Roux".
Foi estranho, quanto mais não seja porque se trata de um caso muito mediatizado. Seja como for, o filme é preciso e factual. Confesso que cheguei a pensar que Maurice Agnelet e o seu advogado pudessem apresentar alguma queixa ou solicitar um direito de resposta. Mas não: para meu alívio, não o fizeram porque compreenderam que eu não quis fazer um filme de acusação.
E como se processou o trabalho com Jean-Charles le Roux (irmão de Agnès)?
Foi difícil, mas o seu testemunho era fundamental: não só conhecera Agnès, como é óbvio, tinha também toda a documentação sobre o caso. Além do mais, precisei também dele para construir o argumento, com Cédric Anger.
Há no seu cinema, e neste filme em particular, uma relação muito especial entre a construção das cenas e a música, neste caso composta por Benjamin Biolay. Como foi a vossa colaboração?
Para mim, a música devia funcionar como uma espécie de relançamento, ao mesmo tempo dramático e lírico, da própria acção. Era preciso que tivesse um certo ritmo sincopado. Em última análise, creio que todos os meus filmes procuram esse ritmo — é qualquer coisa de orgânico, como um relógio interior.
MAX OPHULS (1902-1957) |
Daí a opção pela frequente utilização da câmara à mão?
À mão, muitas vezes em movimento e muito perto dos corpos das personagens — gosto da câmara perto dos corpos.
E acontece-lhe, no momento da montagem, mudar a estrutura de uma cena ou as relações entre cenas?
Sim, acontece. Por exemplo, neste caso, numa primeira montagem, o desenrolar dos factos e o processo de tribunal estavam misturados, alternavam. Acabei por optar por uma organização cronológica, o que me conduziu à cena final, fazendo reviver Agnès na fotografia tirada pela mãe, em criança, como bailarina, como nunca a tínhamos visto ao longo da sua história. É uma fotografia importante, uma vez que ela faz batota para não dançar em pontas — além do mais, é algo de verídico que descobri graças a uma carta que o seu irmão me deu a conhecer.
Digamos que, através dessa fotografia, o derradeiro olhar do filme pertence à mãe.
Pertence à mãe, mas deixando um mistério — há em Agnès um sorriso algo forçado que esconde algum segredo.
Para além das influências mais ou menos conscientes, aceita que se diga que, não apenas este filme, mas globalmente, o seu trabalho se filia numa certa tradição dramática, talvez romântica, a que, além de Truffaut, pertencem também Jean Renoir e Max Ophüls?
Sim, sim... Max Ophüls é, para mim, um cineasta de cabeceira — é alguém que me deslumbra e cujos filmes continuo a ver e rever. Não é uma comparação, o que seria realmente pretensioso da minha parte. Digamos que é uma espécie de identificação com alguém que me acompanha, que sinto que está vivo no meu trabalho.