Através da história da ocupação de uma zona do Mali por fundamentalistas islâmicos, Abderrahmane Sissako ecoa uma actualidade dramática e incontornável — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 Maio), com o título 'Um filme marcado pelos valores universais do humanismo'.
Abderrahmane Sissako (cineasta da Mauritânia, nascido em 1961) desempenhou, este ano, em Cannes, as funções de presidente do júri das curtas-metragens e dos filmes apoiados pela Cinéfondation. A nota biográfica que encontramos no site do festival começa com uma citação que vale a pena reproduzir: “Quando faço um filme, tenho uma atitude de dúvida constante, e sei que isso é visível. Mas, muito lá no fundo, como que escondida, acompanha-me uma convicção que não partilho com ninguém”.
Perante a estreia de Timbuktu (que esteve na competição de Cannes, em 2014), importa sublinhar essa convicção. Este é, obviamente, um filme motivado pela crença muito forte no cinema como instrumento privilegiado para alertar os espectadores para as convulsões do mundo contemporâneo, nessa medida reavivando as componentes mais básicas da tradição do chamado “cinema político”.
Abderrahmane Sissako |
Não é secundária esta questão. Enquanto “consumidores” de notícias, estamos todos expostos a modelos de informação que tendem a privilegiar a fragmentação e o soundbyte, menosprezando a complexidade labiríntica de universos em que, como é o caso, a intolerância se combina com o poder das armas. Nesta perspectiva, importa não esquecer que o trabalho de Abderrahmane Sissako visa, em última instância, a celebração de um Islão aberto e tolerante, tradicionalmente sensível aos valores universais do humanismo.