John Boorman é um dos grandes autores ingleses afirmados ao longo da década de 60: com Pela Rainha, ele prolonga as histórias que contou em Esperança e Glória (1987) — este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 Abril), com o título 'John Boorman revisita memórias genuinamente inglesas'.
Quase um ano depois da sua apresentação na Quinzena dos Realizadores de Cannes, Pela Rainha, de John Boorman, chega às salas portuguesas. Não será, longe disso, um dos momentos altos de uma filmografia que inclui títulos tão famosos como Zardoz (1974) ou Excalibur (1981). Em todo o caso, este é mais um filme que, na avalancha de estreias que passou a ser uma dramática rotina semanal do mercado, corre o risco de passar completamente ignorado pelos seus espectadores potenciais.
Nascido em Shepperton, na região do Surrey, no ano de 1933, John Boorman constitui um dos mais eloquentes paradoxos da história moderna do cinema inglês. Por um lado, o seu nome pertence a uma brilhante geração (em que também encontramos, por exemplo, Tony Richardson, Richard Lester ou Ken Loach) que assumiu a bandeira do “novo cinema”, questionando os parâmetros tradicionais da produção do seu país e abrindo importantes vias de experimentação; por outro lado, alguns dos trabalhos mais fascinantes de Boorman — À Queima Roupa (1967), um thriller com Lee Marvin, e Fim de Semana Alucinante (1972), assombrosa tragédia em cenários naturais — resultaram do período em que esteve mais directamente inserido na produção de Hollywood. Pela Rainha representa um retorno à sua vertente especificamente inglesa, tanto mais que este é um filme que se assume como continuação de um outro, Esperança e Glória (1987), porventura o mais pessoal de toda a carreira de Boorman.
Integrando muitos elementos autobiográficos, Esperança e Glória centrava-se na experiência de um rapaz, Billy Rohan, e da sua família, durante a Segunda Guerra Mundial, em particular no período em que várias cidades inglesas foram alvo de bombardeamentos da aviação nazi. Pela Rainha reencontra a personagem de Billy (Callum Turner), cerca de dez anos mais tarde, agora a cumprir o serviço militar, enfrentando a possibilidade de ser mobilizado para combater na guerra da Coreia — a alusão à Rainha (título original: Queen and Country) decorre do facto de, por esta altura, mais precisamente a 2 de Junho de 1953, a família Rohan assistir pela televisão à coroação de Isabel II.
Infelizmente, o filme hesita entre a exploração de uma certa lógica melodramática, decorrente do amor platónico de Billy por Ophelia (Tamsin Egerton), e um tom de comédia que parece querer reduzir a vida militar a uma caricatura mais ou menos esquemática e previsível. É pena, tanto mais que há breves momentos em que pressentimos o notável sentido do espaço que distingue os melhores filmes de Boorman. Fica o calor de uma certa nostalgia, afinal indissociável da inscrição da acção na cidade do próprio Boorman: Shepperton é, de facto, o lugar de uma lendária estrutura de estúdios de cinema. Na cena de abertura, num pânico que depois se transfigura em ironia, Billy depara mesmo com um oficial nazi que, afinal, é apenas a personagem de um filme que está a ser rodado nas imediações de sua casa.