quarta-feira, abril 22, 2015

Cinematógrafo faz 120 anos (1/2)

Auguste e Louis Lumière
Uma exposição em Paris sobre os irmãos Lumière serve de pretexto para uma evocação dos tempos fundadores do cinematógrafo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Abril), com o título 'Quando o cinema era uma invenção sem futuro'.

Em França, no mês de Junho, graças a uma iniciativa conjunta do Instituto Lumière e da France Télévisions, será lançado em DVD e Blu-ray um conjunto de filmes restaurados com assinatura dos irmãos Lumière. A notícia envolve tanto de celebração como de ironia: a obra dos pioneiros Auguste (1862-1954) e Louis Lumière (1864-1948), chega, assim, aos sofisticados suportes da era digital.
E por mais que admiremos o seu fulgor criativo, não parece possível que, ao promoverem a primeira sessão pública em que se projectaram filmes — a 28 de Dezembro de 1895, no Grand Café do Boulevard des Capucines, em Paris —, os Lumière tenham imaginado que pudéssemos aceder à sua obra, em casa, através de um simples (?) disco de 12 cm de diâmetro.
Os 120 anos dessa primeira apresentação pública do cinema estão a ser apaixonadamente assinalados em França. A exposição “Lumière! O Cinema Inventado”, patente no Grand Palais até 14 de Junho, constitui o evento nuclear das comemorações, e tanto mais quanto o seu projecto ultrapassa qualquer visão meramente pitoresca dos inventores de uma máquina em que, afinal, não depositavam grandes esperanças.
Foi o próprio Louis que, ao contratar Félix Mesguish, um dos primeiros operadores que, com as suas câmaras, registou actualidades em todo o mundo, proferiu essa célebre e desencantada frase — “O cinema é uma invenção sem futuro” — que, por sarcástica perversidade, se transformou em emblema da cinefilia (Jean-Luc Godard integrou-a mesmo, em 1963, numa cena de O Desprezo, em versão italiana: Il cinema è un' invenzione senza avvenire).
Na prática, o cepticismo dos Lumière não os impediu, bem pelo contrário, de construírem um universo de produção e difusão muito para além dos dez filmezinhos (cada um deles com cerca de 45 segundos) que projectaram aos atónitos espectadores desse dia lendário de 1895. Vale a pena recordar que o primeiro desses filmes mostrava, justamente, a saída dos trabalhadores da Fábrica Lumière, em Lyon, local onde hoje está instalado o Instituto Lumière.


Num texto de apresentação da exposição do Grand Palais, os respectivos comissários, Thierry Frémaux (director geral do Instituto Lumière) e Jacques Gerber (crítico de cinema), sublinham a curiosa circularidade da história. De facto, foi também no Grand Palais, no âmbito da Exposição Universal de 1900, que as proezas dos Lumière encontraram uma decisiva plataforma de divulgação. Mais do que isso: foi a partir daí que as suas múltiplas actividades no campo das imagens — incluindo a invenção da fotografia a cores, através dos chamados “autochromes”, em 1903 — começaram a ser conhecidas e emuladas, afinal conduzindo à espectacular consolidação do cinema como a maior indústria cultural do século XX.