FOTO: Miguel A. Lopes |
Manoel de Oliveira não desiste da memória. É algo inseparável da sua fabulosa viagem pela história do cinema. Afinal de contas, ele tem legitimidade para evocar muitas e inusitadas formas de coabitação com os mais fascinantes parceiros. Mesmo resistindo a qualquer paralelismo maniqueísta, lembremos, por exemplo que a luminosa visão de Douro, Faina Fluvial (1931) surgiu no mesmo ano em que Charles Chaplin interpretava e dirigia Luzes da Cidade; ou que a discussão das fronteiras documentário/ficção de Acto da Primavera (1963) pertence a uma fulgurante conjuntura do cinema europeu que pode ser simbolizada pelo Oito e Meio, de Federico Fellini; ou ainda que a celebração teatral de Benilde ou a Virgem Mãe (1975) é contemporânea das deambulações “mozartianas” de Ingmar Bergman, em A Flauta Mágica.
No universo de Oliveira, não desistir da memória envolve uma elaborada dinâmica criativa. Para a definirmos em termos portugueses (e como poderia ser de outra maneira?), diremos que o seu labor, paciente, obstinado e subtil, parte da consciência de que o instante presente nunca é estranho ao impulso da saudade. E não haverá muitos filmes como O Velho do Restelo, capazes de nos fazer sentir que o momento em que vivemos — e nos filmamos — existe como um labirinto de coisas próximas e heranças distantes que, em última análise, estão sempre, alegremente, a trocar de posição.
“Em tempo real”, dizem-nos nas televisões (e na Internet) sempre que há algum efeito de simultaneidade entre o acontecimento e a sua apresentação. Pobre ilusão. Como Oliveira nos recorda, a realidade do tempo implica sempre todas as coordenadas, todas as durações do que vemos, lembramos ou pensamos. Daí a moral de todas estas histórias: não desistir da memória é não desistir do cinema.