Mia Wasikowska, Julianne Moore e David Cronenberg |
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No Festival de Cannes, ao comentar o seu prodigioso Mapas para as Estrelas, David Cronenberg referiu que, para retratar Los Angeles, uma das regras visuais consistiu em procurar inserir em todos os planos alguma palmeira (ou, pelo menos, um fragmento de uma palmeira). O facto envolve uma perversa ironia, quanto mais não seja porque, apesar das cenas registadas em lugares emblemáticos da grande metrópole californiana (o sinal gigante de “Hollywood” no Monte Lee, o Passeio da Fama, o Beverly Hilton, etc.), a maior percentagem das filmagens decorreu em interiores e exteriores de Toronto.
Como é óbvio, Cronenberg sabe que, ao encenar os bastidores da indústria cinematográfica americana, não há maneira de evitar o confronto com uma avalancha de conceitos e preconceitos, nem que seja a abundância de palmeiras... Trata-se, então, de aceitar os seus efeitos mais lineares para, através do trabalho narrativo, os virar literalmente do avesso. Que acontece, então? Porventura a mais amarga visão de Hollywood que alguém, alguma vez, arriscou construir.
Mesmo evitando desvendar as suas peripécias mais bizarras, digamos que Mapas para as Estrelas é uma saga cruel em que a noção do cinema como uma “grande família” não só não é desmentida, como surge confirmada por uma vaga de delirantes cumplicidades sanguíneas. No limite, esta é uma história em que todas as relações são simbolicamente incestuosas, coisa que, convenhamos, só as almas mais cândidas poderão julgar ausente de uma obra que inclui títulos como A Ninhada (1979) ou Irmãos Inseparáveis (1998). E como tudo isso surge, agora, pontuado pelo poema Liberdade, de Paul Éluard, importa dizer que reivindicar o fulgor poético não é coisa simples neste nosso cansado séc. XXI. Mas o grande cinema corre esse risco.