Chegou às salas Mommy, o filme que valeu a Xavier Dolan o Prémio do Júri de Cannes: um título para (re)descobrirmos um jovem e singular criador — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Dezembro), com o título 'Os corpos e o seu realismo'.
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Quando nos sentimos tocados por um filme, gostamos de partilhar com os outros aquilo que, precisamente, nele mobilizou as nossas emoções e pensamentos. Mas, por vezes, ficamos também limitados por um sentimento de prudência, porventura de pudor. Até onde “revelar” aquilo que, afinal, os outros têm o direito de descobrir no primeiro grau, sem qualquer informação prévia? Digamos que é um pouco como quando revemos A Leste do Paraíso (1955), de Elia Kazan, e deparamos com o genial aproveitamento da largura do CinemaScope, apetecendo sublinhar: reparem como Kazan filma James Dean, tirando o máximo partido de um formato que, na altura, era uma novidade.
Quando nos sentimos tocados por um filme, gostamos de partilhar com os outros aquilo que, precisamente, nele mobilizou as nossas emoções e pensamentos. Mas, por vezes, ficamos também limitados por um sentimento de prudência, porventura de pudor. Até onde “revelar” aquilo que, afinal, os outros têm o direito de descobrir no primeiro grau, sem qualquer informação prévia? Digamos que é um pouco como quando revemos A Leste do Paraíso (1955), de Elia Kazan, e deparamos com o genial aproveitamento da largura do CinemaScope, apetecendo sublinhar: reparem como Kazan filma James Dean, tirando o máximo partido de um formato que, na altura, era uma novidade.
Assim, gostaria de falar ao leitor do modo como Xavier Dolan concebe, não apenas as imagens do seu filme Mamã mas também, precisamente, o modo como trata o respectivo formato... Ao mesmo tempo, sinto que se for demasiado explícito, estarei a roubar-lhe a possibilidade de ver/sentir a proposta de Dolan, não em função da tal informação prévia, mas apenas através do filme.
Direi, então, que não se trata de uma questão banalmente formal, muito menos formalista. Nada disso: no cinema de Dolan — e, em particular, neste belíssimo Mamã — todos os elementos figurativos, cénicos ou simbólicos são importantes para a relação que ele estabelece com as personagens e, por extensão, com o labor específico dos actores. Neste inusitado triângulo amistoso — a mãe, o filho e a vizinha —, tudo acontece à flor da pele, revalorizando um realismo dos corpos que, convenhamos, não é a lei dominante no cinema mais poderoso (povoado de “super-heróis” com corpos mais ou menos mecanizados) nem na televisão mais corrente (esgotada em formatos de patético determinismo psicológico). Dolan é um paciente e subtil agrimensor dos afectos.