O lugar-comum mais vicioso em torno de Madonna é o da sua (suposta) exposição total... A criadora de Like a Virgin já teria dito tudo, feito tudo, mostrado tudo... Semelhante via de discussão é, obviamente, um disparate — para ela ou para qualquer criador de formas e narrativas, entenda-se. Em todo o caso, acontecimentos recentes na Net geraram um efeito paradoxal e perverso. Primeiro, foi o aparecimento de imagens não aproveitadas (outtakes) de determinadas sessões fotográficas (como aquela que aqui se reproduz); depois, a divulgação de 13 temas daquele que será o seu próximo álbum de originais...
> FOTOS — Não cedamos à hipocrisia purista: é óbvio que há muitas outtakes que, além do seu fascínio iconográfico, podem constituir-se como matéria histórica essencial — afinal de contas, o admirável livro de Bert Stern sobre a sua derradeira sessão com Marilyn Monroe (The Last Sitting, 1982), o que é a não ser uma espantosa colecção de outtakes? Justamente, o que está em causa não são as imagens em si, mas a responsabilidade da sua difusão: há uma diferença decisiva, de discurso e também de legalidade, entre a divulgação selectiva feita pelos que estão implicados no processo criativo e a amostragem arbitrária dos que apenas pretendem sustentar um marketing mais ou menos voyeur. Não por acaso, Madonna considerou que faziam sentido apelar aos que respeitam o seu trabalho: "Peço aos meus verdadeiros fãs e apoiantes, que me respeitam como artista e ser humano, que não se envolvam com a compra, troca ou postagem de imagens e músicas não publicadas."
> CANÇÕES — Segundo Madonna, as "canções" divulgadas são demos de uma primeira fase de produção do novo álbum. Em todo o caso, a questão fulcral não é a da maior ou menor acuidade do material posto a circular na Net — trata-se, também aqui, de definir as fronteiras de uma privacidade a que qualquer criador tem direito, seja Madonna ou o mais remoto cantor do mais esotérico domínio da mais desconhecida "world music". Daí as palavras panfletárias por ela usadas no Instagram: "Obrigado por não escutarem! Obrigado pela vossa lealdade!"