Ser ou não ser contra Hollywood? Mapas para as Estrelas é mais um conto moral sobre estar ou não estar em Hollywood — este texto integrava um dossier sobre o filme de David Cronenberg, publicado no Diário de Notícias (11 Dezembro), com o título 'David Cronenberg filma pesadelos de Hollywood'.
De nacionalidade canadiana (nasceu em Toronto, em 1943), o realizador David Cronenberg surge muitas vezes associado ao cinema de Hollywood. Em boa verdade, sempre se manteve distante dos grandes estúdios, mesmo quando os seus filmes foram distribuídos através dos respectivos circuitos internacionais (p. ex.: A Mosca, em 1986, pela 20th Century Fox). Há, por isso, qualquer coisa de irónico no facto de, agora, com Mapas para as Estrelas, Cronenberg nos propor uma viagem, acidentada e perturbante, precisamente através dos bastidores da “fábrica de sonhos” da Califórnia.
Aliás, a palavra ironia é escassa para definir o clima emocional de Mapas para as Estrelas. Deveremos, talvez, falar de sarcasmo e crueldade crítica. Algumas das personagens vivem mesmo entre os sonhos que os filmes contêm e os pesadelos que a sua fabricação pode envolver. A começar por Havanna Seagrand (interpretada por Julianne Moore em tom de permanente convulsão emocional), uma actriz assombrada pelo fantasma da mãe, outrora um símbolo do glamour de Hollywood, e Agatha Weiss (Mia Wasikowska), uma jovem que chega a Los Angeles, aparentemente para concretizar a ambição de encontrar um lugar na indústria dos filmes (há mesmo uma cena em que ela visita o Passeio da Fama, com as suas estrelas personalizadas), mas de facto apostada em superar os traumas de uma agitada história familiar.
O título do filme alude ao facto de, em Los Angeles, ser possível adquirir mapas que indicam a localização das moradias das grandes estrelas, sobretudo as que já faleceram e, de uma maneira ou de outra, persistem no imaginário popular. Há mesmo condutores de “limousines” especializados em conduzir os visitantes através de diversos circuitos em torno dessas moradias. Jerome Fontana é um desses condutores: sendo também um actor que vai conseguindo pequenos papéis em produções secundárias, alimenta o sonho de trabalhar como argumentista; ao mesmo tempo, a sua interpretação por Robert Pattinson confirma que Cronenberg resgatou o jovem herói da saga Twilight, voltando a oferecer-lhe, dois anos depois de Cosmopolis (2012), um papel de delicada complexidade dramática.
Curiosamente, a figura de Jerome Fontana terá sido o motor do projecto de Mapas para as Estrelas. Isto porque o argumentista Bruce Wagner (n. 1954) se inspirou na sua própria experiência enquanto jovem actor de Hollywood que ambicionava escrever para cinema, tendo, de facto, chegado a trabalhar como condutor de “limousines”. Aliás, Wagner tem sido um observador crítico da evolução de Hollywood, a par do desenvolvimento das tecnologias audiovisuais, nomeadamente no seu primeiro romance, Force Majeure (1991) e na série televisiva Wild Palms (1993), cuja produção executiva partilhou com o realizador Oliver Stone.
No passado mês de Maio, em Cannes, na conferência de imprensa de Mapas para as Estrelas, Cronenberg fez questão em dizer que o seu filme não era “contra Hollywood”, preferindo antes defini-lo como um drama sobre uma galeria de personagens que procuram “sucesso” e “dinheiro”, nessa medida considerando que a acção tanto poderia ter lugar em Wall Street como Washington. Uma coisa é certa: em 2008, Cronenberg esteve mesmo à beira de dirigir uma grande produção da Metro Goldwyn Mayer, adaptando um policial de Robert Ludlum (The Matarese Circle), com Tom Cruise e Denzel Washington nos papéis principais. Mas, devido aos seus problemas financeiros, a MGM desistiu do projecto — talvez, um dia, se faça um filme sobre esse filme que nunca aconteceu.