segunda-feira, dezembro 08, 2014

Como dialogar em televisão?

PABLO PICASSO
Três Músicos
1921
Dialogar nunca é simples. Dialogar em televisão envolve a consciência da especificidade do meio e da relação que se pode (ou não) estabelecer com o espectador — esta crónica foi publicada na revista "Notícias TV", do Diário de Notícias (5 Dezembro), com o título 'A arte do diálogo'.

Com o passar dos anos, o pensamento político em televisão foi-se menorizando. Tal como o gosto do futebol, aliás: é cada vez mais triste ver pessoas inteligentes, de convicções fortes e discurso elaborado, a gastar tempo de antena em torno da imagem de um cotovelo que está ou não está fora de jogo por causa de alguns centímetros que alguém mediu mal, fazendo-o por certo ao serviço de interesses obscuros...
Na cena política, a esmagadora maioria dos participantes em debates televisivos limita-se a martelar um discurso banalmente eleitoralista, seja qual for a distância temporal a que esteja o próximo acto eleitoral. No futebol como na política, o primarismo infantil do conflito em torno de detalhes mais ou menos irrisórios sobrepôs-se à dialéctica do confronto de ideias. Os intervenientes acomodaram-se a tal rotina e as televisões raramente demonstram disponibilidade para a dinâmica criativa das ideias, a começar pela possibilidade de celebrar essa dinâmica para além (muitíssimo para além!!!) das matrizes correntes do debate.
Num contexto deste género, tão limitado na sua oferta e tão empobrecedor do tecido social, a breve conversa de Fátima Campos Ferreira com o general Ramalho Eanes (RTP1, dia 2, à noite) emergiu como um pequeno e acolhedor oásis. Há uma primeira e decisiva razão para que tal tenha acontecido: o entrevistado lida, efectivamente, com a situação geral do país através de um frondoso pensamento em que não têm cabimento os valores (ou a falta deles) da chicana política. Além do mais, as perguntas formuladas foram verdadeiras perguntas, não soundbytes mais ou menos armadilhados apenas apostados em agravar os sinais de conflitualidade onde quer que eles se manifestem.
Não se trata, entenda-se, de proclamar que deve haver “mais” entrevistas como esta. Acontece apenas que dialogar é uma arte difícil que exige muito aos participantes, sobretudo exige muito mais do que fazer depender qualquer argumentação do vício pueril de encurralar o outro. Tempos difíceis.