O filme polaco Ida foi consagrado nos Prémios do Cinema Europeu, mas qualquer blockbuster americano, "bom" ou "mau", continua a ter mais privilégios noticiosos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 Dezembro).
A história de Ida, filme polaco de Pawel Pawlikowski, cuja acção decorre em 1962, envolve perturbantes memórias da Segunda Guerra Mundial. Para a personagem central (Ana), a revelação do seu verdadeiro nome (Ida) desencadeia um processo de descoberta das suas raízes judaicas que corresponde também a um dramático acerto de contas familiares, religiosas e morais.
Candidato pela Polónia ao Oscar de melhor filme estrangeiro, já estreado em Portugal (recentemente editado em DVD), Ida conseguiu no passado dia 13 uma proeza assinalável: nos Prémios do Cinema Europeu, realizados em Riga, capital da Letónia, foi consagrado como o filme europeu de 2014, recebendo ainda distinções [estatueta] nas categorias de realização, argumento e fotografia (além do prémio do público).
Poderá perguntar-se que eco tais prémios encontraram no espaço mediático? Não se trata, entenda-se, de colocar a questão em termos meramente portugueses. A pergunta é igualmente pertinente em todo um contexto europeu em que, por princípio, tudo o que é blockbuster americano consegue uma visibilidade informativa automática (em especial nas televisões), ao mesmo tempo que até mesmo os eventos simbolicamente mais importantes da produção europeia são secundarizados ou mesmo ignorados.
Tendo em conta que o evento há muito atingiu a sua maturidade — esta foi a 27ª edição dos prémios da Academia de Cinema Europeu —, importa também não escamotear o facto de a respectiva divulgação oficial continuar a ser sustentada por um marketing discreto e pouco apelativo. Observe-se, por contraste, o magnífico trabalho de divulgação e promoção que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood desenvolve (há anos!) para dar a conhecer o seu museu, cuja abertura está agendada para... 2017!
A própria noção de “cinema europeu” continua a ser um factor fraco junto de muitos espectadores que, há que dizê-lo também com todas as letras, mantêm, conscientemente ou não, um discurso de banal preconceito em relação à produção cinematográfica do seu próprio continente.
Aliás, não nos fiquemos pelas formas de tratamento do evento: teria sido simpático que, por essa Europa fora, muitos canais generalistas dedicassem os seus horários nobres a tratar dos Prémios do Cinema Europeu, mas semelhante opção não funcionaria como solução mágica para o que quer que fosse. Desde logo porque nada disso corrigiria automaticamente duas limitações fulcrais: primeiro, a secundarização do cinema (sobretudo europeu) nas televisões generalistas; depois, a raridade de políticas culturais e educativas que favoreçam o conhecimento e o gosto do cinema a partir dos primeiros tempos de escolaridade.
Escusado será dizer que nada disto pode ser transformado através de campanhas piedosas (“veja cinema europeu porque é o nosso cinema...”). Acontece que, na prática, a simples existência de filmes tão belos e intensos como Ida continua a ser ignorada por milhões de espectadores europeus.