Será que os espectadores americanos vão poder ver o próximo filme de Quentin Tarantino, ao mesmo tempo, nas salas e na televisão por cabo? A concretizar-se, tal hipótese pode vir a revolucionar todo o mercado da distribuição — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 Novembro), com o título 'Novo filme de Quentin Tarantino vai estrear na televisão?'.
A notícia foi uma bomba no interior do American Film Market (Santa Monica, Califórnia, 5/12 Nov.): o novo filme de Quentin Tarantino, The Hateful Eight, poderá chegar ao mercado apenas através de distribuidores independentes e... televisão!
É bem verdade que, desde a sua revelação, no Festival de Cannes de 1992, com Cães Danados (arrebataria a Palma de Ouro dois anos mais tarde, com Pulp Fiction), Tarantino tem sido um símbolo universal de uma noção, a um tempo artística e nostálgica, de cinema independente. Em todo o caso, isso nunca se revelou incompatível com uma relação frutuosa com os grandes estúdios. Os seus dois últimos filmes, Sacanas sem Lei (2009) e Django Libertado (2012), tiveram mesmo a distribuição internacional assegurada por “majors” de Hollywood, respectivamente a Sony e a Universal.
Com mais ou menos nostalgia, o que está em jogo é toda uma estratégia de distribuição delineada pela Weinstein Company, produtora de The Hateful Eight. Afinal de contas, convém não esquecer que os respectivos proprietários, os irmãos Bob e Harvey Weinstein, produziram os primeiros títulos de Tarantino através da Miramax (entretanto, integrada no império Disney).
De facto, a Weinstein Company propõe-se negociar o lançamento de The Hateful Eight também com a Netflix, novo potentado no domínio específico da televisão por cabo, quer pela variedade dos serviços de aluguer que proporciona (filmes, séries, etc.), quer pela posição que já adquiriu na área da produção (a partir de Fevereiro de 2013, com o lançamento da série House of Cards, produzida por David Fincher).
Na prática, podemos estar a assistir à definição de uma nova estratégia de difusão que alguns observadores do audiovisual made in USA apontam, desde já, como o princípio de uma revolução de mercado — e, por certo, com consequências importantes, a curto ou médio prazo, em muitos outros países. Fica uma certeza: a evolução da difusão cinematográfica vai (continuar a) obrigar-nos a repensar todas as formas de consumo dos filmes.
Como tudo isso vai acontecer ninguém sabe muito bem, mesmo se parece claro que, para os Weinsteins, será mais fácil encontrar equilíbrios estratégicos entre a Netflix e os distribuidores independentes do que entre a Netflix e os circuitos dominados pelos grandes estúdios. Para já, depois da agitação que envolveu o projecto (Tarantino esteve mesmo para desistir do filme quando algumas partes do argumento foram publicamente divulgadas), sabe-se que The Hateful Eight prolonga o gosto do realizador pelo “western”, mais uma vez contando com um elenco de excelência que inclui, entre outros, Samuel L. Jackson, Jennifer Jason Leigh, Kurt Russell, Tim Roth e Bruce Dern.