Sarajevo, cidade em que o presente se cruza com memórias dramáticas da Europa, desde o início da Primeira Guerra Mundial até à guerra da Bósnia, é tema de um novo filme de 13 episódios — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 Novembro), com o título 'A capital europeia da cultura'.
Como filmar Sarajevo? A questão, sendo estética e simbólica, envolve também uma singularíssima dimensão cinematográfica. Podemos situá-la a partir da avalancha de imagens televisivas que, de uma maneira ou de outra, recebemos na sequência do desmembramento da Jugoslávia e, em especial, durante a guerra da Bósnia (1992-1995). Trata-se de saber, afinal, como é que o cinema sabe resistir aos automatismos “informativos” daquelas imagens, lidando de outro modo com a labiríntica complexidade do real, por assim dizer, expandindo as suas significações e fronteiras.
A resposta contida no filme Pontes de Sarajevo possui o mérito da pluralidade dos olhares. Cineastas como Sergei Loznitsa, Ursula Meier ou Teresa Villaverde trabalham para além de qualquer “espontaneísmo” televisivo, celebrando a cidade como um tecido de histórias e memórias em que, em última instância, ecoam muitos dramas da Europa do século XX.
Nesta perspectiva, o episódio assinado por Jean-Luc Godard define um fascinante programa de trabalho, obviamente ligado à evolução da sua filmografia nos últimos vinte anos. Pode mesmo dizer-se que, desde essa genial curta-metragem de dois minutos que é Je Vous Salue, Sarajevo (1993), Godard tem convocado para os seus filmes o nome (e as imagens) de Sarajevo como quem formula a impossível redenção de uma ideia primordial de “Europa”. Ele próprio o disse, quando definiu Sarajevo como a cidade que, “no seu tempo”, a própria Europa recusou reconhecer como “a capital europeia da cultura”. Vogamos, por isso, num domínio de conhecimento e conceptualização que está para além de qualquer determinismo histórico. É disso, aliás, que fala o título do filme: as “pontes” de Sarajevo ligam as regiões mais distantes da nossa memória colectiva.