sábado, setembro 20, 2014

Em busca da música do século XXI (1)


Este texto é um excerto de um artigo sobre cinco compositores do nosso tempo originalmente publicado no suplemento Q do Diário de Notícias com o título 'Para descobrir a música do século XXI'.

As fronteiras que em tempos poderiam existir entre os espaços da música clássica e dos universos pop/rock começaram a conhecer grandes rombos em parcerias que juntavam visões de ambos os lados do que, para alguns, podia ser um muro. Mais que as visões de revisitação de Bach ou Debussy pelas electrónicas de, respetivamente, Wendy Carlos e Isao Tomita, ou as experiências de convivência da música dos Deep Purple com a presença de uma orquestra sinfónica, houve diálogos mais profundos estabelecidos quando Pierre Boulez gravou um disco com Frank Zappa, quando Philip Glass criou ciclos de canções com Suzanne Vega, David Byrne ou Leonard Cohen ou quando John Tavener compôs uma peça vocal expressamente pensada para a voz de Björk. Em todos os casos houve sempre em cena pelo menos dois nomes, uns com historial feito em terreno pop/rock, outros em espaços da música erudita. O novo século nasce contudo com uma nova geração de compositores para quem as noções de barreiras não existem, com casos até de figuras com carreira na pop (como Damon Albarn, os The Knife ou Rufus Wainwright a aventurar-se no espaço da ópera). Não é inédita a atitude, e basta recordarmos como Gershwin integrou o jazz ou Bernstein o fez com a música da Broadway e outras formas populares americanas, para termos a noção de que fazer música sem barreiras não é uma invenção do século XXI. O que é talvez do século XXI é a tomada de consciência de que esta pode mesmo ser uma ética a definir uma nova forma mais frequente de estar na música. De resto, em entrevista recente ao DN, o compositor Max Richter descrevia mesmo a música do século XXI como sendo aquela em que “a tendência dominante é a ideia das tradições musicais se interpenetrarem e das fronteiras ficaram difusas”. 

Max Richter é um bom exemplo de uma atitude que passa também por outros compositores que, aos poucos, estão a definir o que é, afinal, a música do século XXI. Se a ele juntarmos os nomes de Richard Reed Parry (que integra os Arcade Fire), Johnny Greenwood (dos Radiohead), Bryce Dessner (dos The National) ou Nico Muhly, encontramos uma mão-cheia de figuras que, já com peças editadas em disco, revelam uma obra em que heranças e experiências na pop se cruzam com instrumentos, grupos e formas da clássica. Para lá dos cânones, uma nova música nasce por ali...

(continua)

PS. A imagem que ilustra este post é um momento da ópera 'Tomorrow in a Year' dos The Knife