domingo, agosto 24, 2014

Marcos Rojo "muito feliz" no Sporting

Marcos Rojo em Manchester (FOTO: CaughtOffside),
três dias depois de ter aparecido na Sporting TV,
declarando que estava "muito feliz" por permanecer no clube
A saída de Marcos Rojo do Sporting é, por certo, um sintoma revelador da lógica financeira que, hoje em dia, domina o futebol. Mas é também um caso sintomático da contaminação do espaço televisivo pelas misérias do Big Brother — esta crónica de televisão foi publicada na revista "Notícias TV", do Diário de Notícias (22 Agosto), com o título 'O apocalipse de Marcos Rojo'.

Tragédia da semana, em dois tempos. Marcos Rojo aparece na Sporting TV, falando dos problemas disciplinares que protagonizou: “Estava de cabeça quente, gosto muito do clube, de toda a gente do Sporting e estou feliz no clube”. Cerca de 24 horas mais tarde, o mesmo Marcos Rojo surge na imprensa inglesa (p. ex., The Guardian, 19 de Agosto), confirmando a sua transferência para o Manchester United e classificando-a como a concretização de um “sonho”.
O monstruoso ridículo de tudo isto supera o futebol e, escusado será dizê-lo, qualquer simpatia pelo clube A, B ou C. O espaço televisivo passou a produzir “informações” deste teor (depois, mil vezes repetidas por todos os canais) sem que se reponha algum respeito pela inteligência, essa qualidade primitiva que, felizmente, não escolhe clubes nem profissões.
Há excepções, claro. Eduardo Barroso, no programa Prolongamento (TVI24), foi uma delas, referindo como lhe repugnava, no plano humano — repito a dimensão essencial: no plano humano —, ter assistido à confissão do jogador. Porque é isso que está em causa: a transformação de um episódio da vida de uma instituição, neste caso um clube de futebol, numa variação do sinistro “confessionário” do Big Brother.
Em nome da “personalização” informativa, há matrizes televisivas que todos os dias contribuem para banalizar o factor humano, celebrando a vida social como um jogo de ilusões para usar e deitar fora. Como gostam de proclamar os gestores do Big Brother a propósito dos respectivos concorrentes, podemos dizer que Marcos Rojo não foi obrigado a protagonizar tão triste cena... E depois? Desde quando o significado social e o valor simbólico das acções humanas se passou a avaliar, unilateralmente, a partir de qualquer “vontade” individual?
O que se discute é o esvaziamento de qualquer sentido de responsabilidade, a ponto de haver cidadãos que se prestam a grosserias como a que Marcos Rojo protagonizou. Se, para mais, o próprio nunca pensou no assunto, só podemos repetir as palavras de Marlon Brando em Apocalypse Now: “O horror, o horror...”.