terça-feira, julho 01, 2014

Em conversa: João Vieira (White Haus) (1)

Foto: Luís Espinheira
João Vieira, que em tempos descobrimos como DJ Kitten em noites que eu (como tantos outros) vivemos no Porto – ali perto da viragem do milénio – e que durante anos fez também carreira nos X-Wife aproveitou um tempo de pausa para se apresentar com um novo projeto. Chamou-lhe White Haus e acaba de lançar um disco onde deixa claras as ideias que resolveu aqui explorar. Este é o excerto de uma entrevista que serviu de base ao artigo ‘A hora de dar vida a um projeto adiado’ apresentado na edição de domingo, dia 29 de junho, do DN.

Sempre houve projetos de músicos para lá do que fazem nas respetivas bandas. O que aqui apresenta não faria nunca sentido no quadro de uns X-Wife? E se os X-Wife estivessem ativos este disco teria nascido?
Acho que não, em White Haus há uma ausência muito grande de guitarras, que embora nos X-Wife existisse uma grande riqueza de electrónica, a guitarra tinha um lugar de grande destaque nas canções. Aliás, os X-Wife sempre criaram música em formato canção, em White Haus existe uma maior liberdade na parte criativa, menos regras, menos estrutura mais convencional, as canções são criadas em estúdio, enquanto que nos X-Wife a musica é criada ao vivo nos ensaios, a produção vem depois. Aqui o processo é inverso, a produção vem primeiro e depois vem o live. Se os X-Wife estivessem ativos provavelmente este disco não teria nascido. Ele nasceu por uma necessidade de não estar parado e continuar a criar. Os X-Wife estavam parados por isso decidi que era a altura certa de pôr em plano um projeto adiado, o de produtor.

O trabalho como DJ o que traz à composição de canções?
O meu trabalho como DJ e como melómano são as grandes bases de toda a música que faço. Consumi e continuo a consumir muita música, gosto de descobrir coisas novas e mexer no passado, tenho muitas referências e uma verdadeira paixão por música, sei o que faz mexer as pessoas nas pistas, sinto que tenho essa sensibilidade, toda essa mistura de referencias que fez crescer as noites Club Kitten. Já dos tempos de Londres até aos primeiros anos de milénio, eu ouvia muitos discos, de cada 50 escolhia uma ou duas músicas para os meus sets... Mas depois também ouço muita música fora desse universo e que influencia muito o resultado final. Tanto passa por Bowie, Human League, Cybotron, Sexual Harrasment, Kanye West, Eno, Blondie, muita coisa... As noites Club Kitten não tiveram na altura uma expressão na criação musical própria (ou estarei errado)... 

A ideia de fazer música surge depois do gosto de a passar e com ela criar um espaço com uma personalidade evidente?
Quando surgiu o Club Kitten, menos de um ano depois surgiram os X-Wife e essa vontade de fazer música foi saciada. Os X-Wife eram e são um grupo de rock electrónico para as pistas que poderiam ser incluídos em qualquer um dos meus sets sem destoarem.

A ideia do músico/editor/DJ que é James Murphy será um dia vista como paradigma do nosso tempo?
Acho que sim. O James Murphy veio quebrar uma barreira muito importante, que um músico de 40 anos, sem grande imagem de frontman consegue formar uma banda que se torna uma banda de culto apreciada por gerações dos 13 aos 77 anos. Acho que isso é realmente algo de fantástico numa atividade que é por tantas vezes gerida e manipulada à volta da imagem dos artistas (muitas das vezes sobrevalorizados).  Acho que aliado ao papel do James Murphy, o papel de "bedroom producer" será também um paradigma dos nossos temos, um DIY de 1977 só que desta vez com um mac, um teclado midi e uns headphones. Essa sim foi a grande revolução na música, o software acessível e de qualidade. Criares a tua música sem recorreres a grandes estúdios (o meu caso). Mas sim está tudo ligado: DJ/producer/músico alguns fazem-no muito bem outros falham redondamente.

White Haus representa um reencontro com ideias de busca de uma música de dança cantada que passou pelas noites Kitten?
Acho que sim, sempre gostei de música de dança cantada. O meu disco não tem nenhum tema instrumental. Quando fiz o EP tentei fazer música instrumental mas senti-me sempre tentado a fazer linhas vocais e também senti necessidade de as usar para conseguir estruturar músicas. Tenho mais facilidade em criar temas com voz e já que canto, porque não? Isto não quer dizer que não goste de temas instrumentais, passo muita música sem voz nos meus sets...

(continua)