terça-feira, junho 03, 2014

Phillipe Sollers no meio do tempo

Médium ou, como o próprio autor esclarece, "pessoa susceptível de, em determinadas circunstâncias, entrar em contacto com os espíritos (do latim medius, no meio)". No novo livro de Philippe Sollers, tudo é ou pode ser mediação — e a sua resistência.
Prolongando a lógica fragmentária de exercícios anteriores, como L'Éclaircie ou Portraits de Femmes, o autor fala de uma mulher como medium de outra, de um desejo de escrita como marca de uma obstinada intransigência cultural, de Veneza como duplo de Paris, ou o contrário — enfim, de Veneza, sempre Veneza, como medium de Veneza, a ponto de "o narrador ser um medium que descobre a sua própria capacidade de mediação em função das respostas que recebe".
Philippe Sollers
Tudo isso leva-o a ocupar o meio do próprio tempo, não a nostalgia do passado, não a ilusão profética do futuro, aí onde a consciência das memórias funciona também como arte de desmascarar as imposturas da ideologia mediática que, através das vivências "em tempo real", nos enreda numa inércia feita de euforias programadas e, pior um pouco, obrigatórias.
Daí também as personalidades que Sollers convoca para ocuparem a posição de medium literário, funcionando como inspiração e observadores transcendentais da sua própria escrita: Saint Simon (1675-1755), que viveu em Versalhes, "então o centro do mundo" (por assim dizer, medium de todas as formas de poder e saber); e o Conde de Lautréamont, aliás, Isidore Ducasse (1846-1870), autor dos lendários Cantos de Maldoror. Em particular através de Ducasse, Sollers revê, sob a serena concordância das águas de Veneza [video de G. K. Galabov e Sophie Zhang], a tragédia contemporânea do Diabo dominante e de um Deus humanamente iludido, condenado a assumir-se como Diabo para lidar com os horrores do mundo que deserdou.
Livro simples e sublime, conciliando a leveza da crónica e a contundência da epopeia, Médium procura, no limite do vazio contemporâneo, a possibilidade de renovação do voto de Pascal: "Quem tiver encontrado o segredo de se alegrar com o bem sem recusar o mal contrário, terá encontrado o equilíbrio. É o movimento perpétuo".