Foto publicada no site oficial da FIFA |
1. Não sei que sentimentos o leitor experimenta perante as convenções da linguagem dominante do futebol, sobretudo no espaço televisivo. Em todo o caso, permito-me considerar que não é possível ficar indiferente a um sistema discursivo que há muito deixou de se interessar pelo jogo jogado, preferindo antes assumir-se como dispositivo de uma normalização compulsiva, de que a justiça dos resultados é apenas a fórmula mais banalizada — por mim, continuo à espera que algum comentador se digne explicar de que modo uma péssima performance saldada por uma vitória atenta contra a legalidade seja do que for, a ponto de ser denunciada como uma "injustiça"...
2. Vem isto a propósito da proliferação intercontinental da palavra "humilhação", aplicada à selecção espanhola, na sequência da sua derrota (1-5) com a Holanda. Porque é que tanta gente se assume como patrono moral do futebol, a ponto de classificar assim os seus eventos e entidades? A pergunta justifica-se, quanto mais não seja porque quando há o mesmo tipo de derrota, mas de uma equipa teoricamente mais fraca, os mesmos comentadores não falam de "humilhação", optando antes por: "Perderam com muita dignidade." É uma tristeza este moralismo de pacotilha, vendido às massas como legislação de origem divina. Em boa verdade, não houve nada de humilhante no comportamento dos espanhóis, até porque não lhes faltaram dignidade, entrega e esforço — acontece que os outros cometeram o pecado de terem sido muitíssimo melhores.
3. Na prática, tudo isto conduz ao reforço da promoção do futebol como uma estúpida batalha moral, não como um jogo de fascinantes contrastes e contradições que vale a pena admirar, precisamente porque não está obrigado a funcionar como uma sessão de tribunal. Quantos dedicaram algum tempo a enaltecer o prodigioso voo de Robin van Persie a marcar o golo da Holanda que, na altura, colocou o jogo em 1-1? Quem gastou um bocadinho de tempo para observar a contagiante vitalidade que, para além de qualquer moralismo "justiceiro", a imagem pode conter? Muito poucos... Porquê? Porque o discurso dominante sobre o futebol decorre de uma concepção meramente instrumental das imagens — as imagens são difundidas, não são verdadeiramente olhadas.