segunda-feira, junho 02, 2014

O cinema do canal Arte

P'TIT QUINQUIN
P'tit Quinquin, de Bruno Dumont, foi um grande acontecimento em Cannes, na Quinzena dos Realizadores... e é, à partida, um produto televisivo — esta crónica de televisão foi publicada na revista 'Notícias TV', do Diário de Notícias (30 Maio), com o título 'A marca do canal Arte'.

Em 2010, na sua selecção oficial, o Festival de Cannes apresentou, extra-competição, a série televisiva Carlos (sobre uma figura central na história do terrorismo nas décadas de 1970/80), realizada por Olivier Assayas. Este ano, numa das secções paralelas do certame, a Quinzena dos Realizadores, surgiu outra série, P’tit Quinquin, sobre as atribulações trágico-cómicas de uma aldeia no norte da França, com assinatura de outro francês, Bruno Dumont (conhecido no mercado cinematográfico português através de títulos como Hadewijch ou Camille Claudel 1915, respectivamente de 2009 e 2013).
Deparamos, assim, com uma atitude que, não sendo uma novidade nem um exclusivo de Cannes, importa voltar a sublinhar. O que se reafirma é a interacção criativa, comercial e simbólica de cinema & televisão, a ponto de o maior festival de cinema do mundo conferir especial visibilidade a experiências televisivas de alguns dos seus mais singulares autores — e não será preciso relembrar que, para além dos altos e baixos das respectivas trajectórias, Assayas e Dumont são dois nomes centrais na história da produção francesa das últimas décadas.
Na gestação de ambas as séries está envolvido o canal franco-alemão Arte (no primeiro caso, em aliança com outras entidades francesas e alemãs; no segundo, a 100 por cento). Dito de outro modo: deparamos, aqui, com um conceito de programação & produção que se demarca, ponto por ponto, das convenções mais preguiçosas do espectáculo televisivo.
De facto, só por violenta hipocrisia se poderá pretender que, através de Carlos e P’tit Quinquin, o Arte está a promover criadores eremitas desligados do seu/nosso presente... Nada disso. A marca do canal Arte não se esgota em qualquer promoção elitista de autores, uma vez que se enraíza na máxima diversificação temática e estética, na certeza de que a multiplicação da procura passa também pela agilidade da oferta. Vale a pena estarmos atentos à sua programação, já que P’tit Quinquin deverá ser brevemente agendado pelo Arte.