A edição 2014 do London Flare apresentou a estreia mundial póstuma de 'Will You Dance With Me?', filme do realizador britânico que surge de imagens captadas com uma câmara VHS numa noite de 1984 numa discoteca. Este texto foi originalmente publicado na edição de 30 de março do DN.
Nem tinha título nem estava planeada sequer a sua exibição pública. Mas sob a designação Will You Dance with Me?, a sala 1 da sede do British Film Institute (BFI), em Londres, assistiu esta semana à estreia mundial de um filme inédito de Derek Jarman. Nos 20 anos da morte do realizador, o BFI tem realizado uma série de iniciativas que recordam a sua obra e esta estreia foi integrada numa sessão única do London Flare (a designação do festival de cinema gay e lésbico organizado pelo BFI), e contou com a presença em sala de Ron Peck, o autor de Nighthawks (1978), com quem Jarman colaborava num novo projeto para o qual estas imagens foram captadas.
Will You Dance with Me? é na verdade uma sucessão de imagens captadas pelo próprio Jarman com uma câmara de vídeo VHS, surgidas numa etapa de preparação da rodagem de Empire State, de Ron Peck. A 5 de setembro de 1984, Derek Jarman foi convidado a registar uma série de "improvisações" (como descreve a folha de sala) na etapa de preparação de Empire State. As imagens foram captadas no Benjy"s, uma discoteca local em Mile End (que foi das primeiras a programar noites gay que "se tornaram muito populares localmente"). As imagens que Peck captou com alguns performers convidados acabaram perdidas. Mas as que Jarman registou com uma câmara Olympus são as que dão agora origem a este filme.
Naquela noite estavam cerca de cem pessoas na discoteca, entre clientes habituais e o seu staff e algumas pessoas que a produção havia convidado. Jarman acompanha a evolução do que acontece entre a pista de dança e o bar, escutando uma banda sonora que provém diretamente da cabina do DJ, que ora rodava os singles que animavam o fenómeno break dance - como Breakin'... There"s no Stopping Us de Ollie & Jerry, Break Dance Party dos Break Machine ou Let the Music Play de Shanon - ou êxitos pop do momento como Relax e Two Tribes dos Frankie Goes to Hollywood, High Energy de Evelyn Thomas ou Whatever I Do Wherever I Go de Hazel Dean.
Segundo explicou Ron Peck na apresentação do filme, Derek Jarman fora desafiado a procurar naquela noite novas formas de filmar a dança. A folha de sala apresenta este filme "sem princípio nem fim" como "mais uma experiência do que uma peça pré-progamada" e nota que, 30 anos depois, "o seu grande interesse é o de ser documento de um lugar e um tempo" e serve de evidência "do entusiasmo e das qualidades de Derek ao operar a câmara".
Sem um programa narrativo, a verdade é que a câmara acaba por sugerir a evolução dos comportamentos (e dos gostos de quem dança e como dança) ao longo da noite. Jarman escolhe alguns dos presentes e a eles regressa regularmente, tanto que, mesmo sem serem "montadas" (uma vez que estão apenas sequenciadas), as imagens acabam por sugerir personagens, situações (ocasionalmente bem-humoradas) e até uma sugestão de progressão narrativa. Ao perguntar a um dos jovens na pista (Phil Williamson, que depois seria seu ator em The Angelic Conversation) se dançaria consigo, Jarman lança uma dúvida que, com uma certa dose de suspense, nos acompanha ao logo dos 78 minutos do filme. Dançará ou não o jovem com o realizador?... A forma como filma quem dança e observa quem ali está e a música ambiente acabam por sugerir uma experiência imersiva, a câmara levando-nos assim no tempo àquela noite e àquele lugar.