1988, campanha presidencial em França — não se trata de promover qualquer cartaz como modelo universal seja do que for, mas apenas de reconhecer que, por vezes, há casos em que sentimos a enérgica e inteligente conjugação de uma "mensagem" política com um determinado pensamento figurativo. Não creio que François Mitterand tenha ganho apenas, nem sobretudo, por causa deste cartaz — o certo é que ganhou, entre muitas outras coisas, com este cartaz.
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1. A oposição direita/esquerda tornou-se um conceito dramaticamente incompleto para dar conta dos problemas que a sociedade portuguesa enfrenta. A possibilidade de discutir os seus limites descritivos e argumentativos ficou mesmo como uma das mais belas heranças filosóficas do 25 de Abril, mas não se vê muita gente, em nenhuma zona do espectro partidário, com disponibilidade mental para lidar com os desafios que tal herança envolve.
2. No plano da figuração visual, os tempos têm sido mesmo de triste homogeneização — todos os responsáveis de todos os partidos gostam de dizer coisas muito "modernas" sobre o nosso mundo de imagens, mas a correspondência prática de tal atitude é, de um modo geral, pouco mais que anedótica. Recorde-se, a propósito, o que se passou durante as últimas eleições autárquicas: os partidos encheram as cidades e vilas portuguesas com os mais anódinos cartazes que alguma vez se produziram entre nós [exemplo aqui em baixo], coincidindo na mesmíssima representação dos seus candidatos em patéticas imagens photomaton, cada um menos apelativo que o outro, unindo direitas e esquerdas na mesma fealdade sem imaginação nem pensamento — sim, a beleza também é uma questão política...
3. O cartaz com que o Partido Socialista iniciou a sua campanha para as eleições para o Parlamento Europeu é mais uma trágica expressão de todo esse vazio, não apenas ideológico e político, mas sobretudo existencial e afectivo. A utilização da palavra "mudança", solitária em fundo azul (a esquerda há muito concedeu ao Partido Comunista a "propriedade" simbólica do vermelho...), reflecte um wishful thinking que já não sabe em que cenário se figurar, nem que discurso desenvolver — avança-se com uma palavra mágica, lança-se num grande oceano de coisa nenhuma e espera-se que, através desse gesto infantil, chegue alguma resposta dos deuses da mudança...
4. Qualquer outro partido, governamental ou não, com um mínimo de ironia, já teria contraposto um cartaz com qualquer coisa como "a mudança, qual mudança?" — mas, neste desespero visual, como esperar alguma coisa minimamente inventiva de uma classe política que sabe apregoar tudo sobre a "nova sociedade da informação", mas nunca gastou a energia de um neurónio a tentar pensar o que isso significa?
5. Chegamos, assim, ao grau zero da imaginação política e do imaginário social — alguém, algures, acreditou que a palavra mudança em fundo azul é uma grande ideia de intervenção pública, além do mais justificando o orçamento inerente à colocação de cartazes por todo o país. O mesmo país em que a discussão (?) do "contraditório" em torno de José Sócrates parece encerrar o segredo que nos vai libertar de todas as nossas crises...