Este texto sobre canções que os Óscares ignoraram é uma versão editada e atualizada de um outro que foi publicado há cerca de um ano na revista Metrópolis com o título ‘Quando os Oscares não ouvem as melhores canções’.
Em tempo de Óscares, propomos um outro olhar pela história das estatuetas douradas com que Hollywood celebra anualmente os feitos do cinema. Se há categoria onde são mais os tiros ao lado que aqueles em que as escolhas acertam no alvo, ela é a da Melhor Canção Original. E são tantas as ocasiões em que temas que fizeram história passaram ao lado das atenções da Academia, muitas vezes até sem nomeação, que resolvemos apresentar uma lista de dez clássicos criados para o cinema que nunca foram premiados. Mas que mereciam tê-lo sido...
Com nova cerimónia de entrega de Óscares a caminho fazem-se contas, ensaiam-se projeções, antecipam-se cenários... Se em algumas das categorias principais 2014 promete ser um dos anos mais disputados dos últimos tempos, já no espaço da música mora a monotonia de sempre, a sensação de que o que de melhor havia por aí a considerar acabando fora das listas dos nomeados. Não é novidade esta sensação. Tem mesmo sido regra e raras foram as ocasiões nos últimos anos em que uma canção musicalmente estimulante ou até cinematograficamente marcante tenha chegado à lista dos nomeados, muito menos ainda as que subiram ao palco para receber a estatueta dourada. Há um ano a cantora Adele levou o primeiro Óscar para uma das mais tradicionais das famílias musicais da história do cinema: as canções para James Bond. Skyfall ficou assim como a primeira ‘Bond song’ oscarizada, ultrapassando o patamar das nomeações a que chegaram as contribuições de Paul McCartney, Carly Simon ou Sheena Easton também ao serviço do agente 007. E superando também aquelas que continuam a ser, pelos feitos do mercado (ou seja, pelas vendas dos discos) as mais populares ‘Bond songs’ de sempre: a campeã A View To A Kill dos Duran Duran (a única que alguma vez atingiu o número um nos EUA ou Reino Unido) e as não menos aclamadas Live and Let Die de Paul McCartney e Nobody Does It Better de Carly Simon que, tendo igualado nos EUA o número dois na tabela de vendas alcançado por Adele no Reino Unido, conseguiram melhores resultados em Inglaterra que a voz de Skyfall na América...
Podemos olhar para a história de todo um legado de prémios onde, apesar a lista impressionante de clássicos que por ali passam, conhecemos a falta de algumas das canções que fizeram páginas maiores na história da relação da música com o cinema. E para não esquecer hoje quem ficou de fora, mais que recordar a história das canções que os Óscares já premiaram, propomos uma viagem no tempo através de dez outras que, por incrível que possa parecer, ficaram de fora dessa lista.
1937. Someday My Prince Will Come, por Adriana Caselotti
É verdade que a Disney não se pode queixar de falta de atenção por parte dos Óscares, pelo menos na hora de premiar a música dos seus filmes. Só entre 1989 e 1999 somou seis vitórias - com Under the Sea de A Pequena Sereia, o tema título de A Bela e o Monstro, A Whole New World de Aladdin, Can You Feel The Love Tonight de O Rei Leão, Clours of The Wind de Pocahontas e You'll Be In My Heart, de Tarzan - numa lista de mais de dez que remonta a 1940, ano em que somou a primeira com When You Wish Upon A Star, da banda sonora de Pinóquio, e avança até 2012, quando Man or a Muppet, da mais recente encarnação no grande ecrã dos Marretas voltou a cantar triunfo para aqueles lados. Curiosamente, a estreia da Disney nas longas metragens com Branca de Neve e os Sete Anões (em 1937) passou ao lado até mesmo das nomeações. Destino bizarro (na época, claro esta) para uma banda sonora da qual saiu uma mão-cheia de canções que se transformaram em standards, com o é há muito Someday My Prince Will Come, canção que teve a sua primeira versão na voz da cantora Adriana Caselotti para a banda sonora original do filme.
1961. Can't Help Falling In Love With You, por Elvis Presley
Muita da obra de Elvis Presley na primeira metade da década de 60 surgiu associada à multidão de filmes que então protagonizou, as respetivas bandas sonoras apresentando assim as novas canções que ia gravando. Para Blue Hawaii, filme de Norman Taurog, uma das canções inéditas então criadas para a voz de Elvis Presley foi Can't Help Falling In Love With You, que se revelaria mesmo com um dos maiores sucessos do cantor nos anos 60. A canção conheceu depois varias outras vidas. Os U2 usaram a versão original para fechar os concertos da Zoo TV Tour e Bono chegou a gravar uma leitura em nome próprio para a banda sonora de Honeymoon in Vegas, de Andrew Bergman. Entre os muitos que assinaram outras versões estão figuras com Doris Day, Patti Page, Bob Dylan, os UB40 ou Chris Isaac.
1964. Goldfinger, por Shirley Bassey.
Se há canção do "cancioneiro 007" que merecia ter ganho um Óscar ela seria a que em 1964 Shirley Bassey deu ao terceiro filme da série. Traduzindo a essência do encontro de uma pungente secção de metais com a alma orquestral que John Barry transformou em imagem de marca do som para James Bond (sugerindo um paradigma ainda hoje respeitado), esta foi a primeira das três contribuições da cantora para os filmes de 007 (regressando mais tarde para colaborar em Diamonds Are Forever e Moonraker). Varias versões de Goldfinger surgiram mais tarde, por nomes que vão dos Magazine ou Tom Petty aos portugueses Belle Chase Hotel.
1965. You’ve Got To Hide Your Love Away, dos The Beatles
A carreira cinematográfica dos Beatles, um pouco ao jeito da do seu compatriota Cliff Richard (mas sem a dimensão atingida pela de Elvis Presley), nasceu como derivação direta do seu trabalho musical, os seus dois primeiros filmes, ambos realizados por Richard Lester, servindo mesmo de veículo para a apresentação de novas canções e a respetiva edição imediata em álbuns que, em parte, registavam a face vocal das suas bandas sonoras. Help!, estreado em 1965, representou musicalmente a materialização de sinais de mudança iminente na música dos Beatles e deu-nos uma mão cheia de grandes clássicos, entre os quais este tema, na voz de John Lennon.
1967. Mrs. Robinson, de Simon & Garfunkel
Uma das canções de maior sucesso da história da dupla Paul Simon / Art Garfunkel, deu-lhes um número um em 1968 e representou um dos temas centrais do álbum Bookends. Mas uma primeira versão da canção tinha surgido um ano antes, na banda sonora de The Graduate, o histórico filme de Mike Nichols magnificamente interpretado por Dustin Hoffman e Anne Bankroft. Nem uma nomeação conquistou...
1973. Knocking on Heaven’s Door, de Bob Dylan
Tema composto e cantado por Bob Dylan para o filme Pat Garret and Billy The Kid de Sam Peckinpah, no qual o próprio cantor surge como ator, ao lado de nomes como James Coburn e Kris Kristofferson. A canção foi um êxito logo na sua versão original, dando a Dylan o seu maior sucesso no formato de single em toda a década de 70. E conheceu depois inúmeras versões, assinadas por nomes que vão dos Grateful Dead ou Guns N’Roses a Antony and The Johnsons.
1977. New York New York, de Liza Minelli
Canção composta por John Kamber e Fred Ebb para a voz de Liza Minelli, para a banda sonora do filme com o mesmo título, o drama musical realizado por Martin Scorsese após Taxi Driver que, na altura, foi um fracasso na bilheteira. Dois anos depois da estreia do filme uma versão da canção, gravada por Frank Sinatra transformou-se não só num dos maiores êxitos do cantor como numa referência maior do “songbook” americano.
1982. Forbidden Colours, de David Sylvian e Ryuichi Sakamoto
David Sylvian integrava ainda os Japan quando, meses depois de se estrear a solo, na companhia de Ryuichi Sakamoto, com o single Bamboo Houses / Bamboo Music foi convidado pelo músico japonês, que assinava a banda sonora de Feliz Natal Mr. Lawrence, de Nagisa Oshima, a juntar-se a ele para criar a canção-título para o filme. Juntos assinaram assim Forbidden Colours, que, com título inspirado por um livro de Mishima, não só uma das pérolas maiores da obra dos dois músicos como uma das mais belas canções alguma vez compostas para o cinema.
1986. Absolute Beginers, de David Bowie
A relação de Bowie com o cinema iniciou-se nos anos 70, como ator em The Man Who Fell To Earth, de Nicholas Roeg, e expandiu-se nos anos 80, quando ao trabalho em cena juntou a escrita de uma série de canções, muitas delas editadas em singles, sem representação nos seus álbuns de estúdio da época. O ano de 1986 foi mesmo o mais produtivo nesta relação de Bowie com o cinema, tendo assinado parte da banda sonora de Labirinto, a canção-tema da animação When The Wind Blows e participando (como ator e músico) em Absolutamente Principiantes, de Julian Temple, para o qual compôs o tema-título, que lhe deu um dos seus maiores êxitos nessa década.
2000. Playground Love, dos Air
O álbum de 1998 Moon Safari colocou nas bocas do mundo (que ouve música) o nome dos franceses Air e, com eles, um gosto por um sentido de elegância onde electrónicas com travo vintage faziam canções com sabor a coisa do presente. Sofia Coppola, desafiou então os dois músicos para assinarem a banda sonora original para a sua primeira longa-metragem, As Virgens Suicidas, para a qual, além do score instrumental, compuseram (com Gordon Tracks) e gravaram esta canção que hoje é já um dos “clássicos” da sua carreira.