O ano de 1972 tinha contudo começado com uma inesperada reunião (que duraria uma noite só). A 29 de janeiro, numa altura em que trabalhava naquele que seria o seu álbum de estreia, Lou Reed aceitou o convite para se juntar a John Cale e Nico para um concerto no Le Bataclan, em Paris. Entre abordagens a temas como I'm Waiting for the Man, Berlin, Ghost Story, Femme Fatale, I'll Be Your Mirror, All Tomorrow's Parties, num alinhamento que oscilou entre canções dos Velvet Underground e das obras a solo entretanto encetadas, e em abordagem íntima e acústica, o concerto representou um dos mais belos episódios de descendência direta dos Velvet, apenas superado pelo reencontro de Reed e Cale quando, em 1990, apresentaram em Songs for Drella um ciclo de canções celebrando a memória de Andy Warhol. Editado em formato de CD em inícios de dezembro, o concerto reemergiu agora sob o título Le Bataclan 72, num alinhamento que junta como extras os temas Pale Blue Eyes e Candy Says, captados durante a tarde desse dia, nos ensaios.
Depois de Transformer, Lou Reed não se mostrou contudo muito interessado num projeto de eventual reunião dos Velvet Underground. Chegou a reunir-se com John Cale. Desde que se afastara dos Velvet, este tinha editado Vintage Violence (1970) e o aclamado The Academy in Peril (1972) e preparava-se para lançar em 73 Paris, 1919. Só aceitaria por isso uma reunião do grupo se as suas ideias pudessem ser usadas, não lhe parecendo interessante o papel de mero intérprete (18). Lou Reed, por seu lado, terá dito que Cale queria que ele abordasse um registo de feedback na guitarra que fazia antes e que não estava agora na sua agenda de interesses (19). O encontro não se materializou, como é sabido. Nem a possível colaboração (solicitada, mas não concretizada), de Reed em Fear, o álbum que Cale editaria em 1974.
Reed focou então as suas atenções na criação de um novo disco, nele procurando projetar novos interesses sobre os efeitos das anfetaminas no corpo (20). Foi o produtor Bob Ezrin quem lhe terá sugerido a criação de uma narrativa na forma de canções. O filme para os ouvidos, a que a campanha de lançamento do disco aludiria depois. O título representa o cenário que acolhe a história. “É uma cidade dividida com muitos acontecimentos potencialmente violentos a ocorrer ali. E não é a América, se bem que algumas das personagens possam parecer americanas. Pareceu-me melhor que chamar-lhe Omaha... Berlin era apenas sugestivo. Fazia-o mais piroso que realmente é Berlim. Lembra-me Von Stroheim e Dietrich” (21), explicou Lou Reed.
Centrado na relação de duas personagens (e no seu relacionamento), Berlin convoca imagens tensas que envolvem situações de violência física e mental. Doggett vê o disco como um espaço onde Lou Reed “como um Delmore Schwartz tardio, testou o solo para possíveis decisões na sua própria vida. O que aconteceria se tomasse speeds durante semanas, meses, anos? Haveria uma saída da sua relação com a sua mulher? A violência seria uma resposta à frustração? (…) Caroline e o narrador deram-lhe respostas, nem sempre as que ele queria ouvir” (22)
Lou Reed contaria mais tarde que, durante a gravação do disco, a sua mulher fez uma tentativa de suicídio, cortando os pulsos numa banheira de um hotel, recorda Growing Up In Public. As canções abordavam de facto temas em aberto, feridas não saradas. A instrumentação é mais elaborada que a usada em Transformer, transportando a música a um novo patamar, a simplicidade que era característica da sua linguagem ficando aqui por conta da abordagem realista ao universo ao seu redor que aqui se materializava. Mas apesar da grande proximidade entre o cantor e os temas e situações narradas, Lou Reed coloca em cena um narrador que se distancia e dá conta do que observa sem se comprometer emocionalmente. Tanto que, em Man of Good Fortune, chega mesmo a dizer que “não se importa com nada”. Berlin é um disco franco e poderoso. Olha nos olhos cenários de decadência, dependência e morte. “Se o não tivesse feito teria enlouquecido. Se não o tivesse tirado do meu cabelo teria explodido. Foi um álbum muito doloroso de fazer”, explicaria ele mesmo um ano depois (23).
Depois de Transformer, Lou Reed não se mostrou contudo muito interessado num projeto de eventual reunião dos Velvet Underground. Chegou a reunir-se com John Cale. Desde que se afastara dos Velvet, este tinha editado Vintage Violence (1970) e o aclamado The Academy in Peril (1972) e preparava-se para lançar em 73 Paris, 1919. Só aceitaria por isso uma reunião do grupo se as suas ideias pudessem ser usadas, não lhe parecendo interessante o papel de mero intérprete (18). Lou Reed, por seu lado, terá dito que Cale queria que ele abordasse um registo de feedback na guitarra que fazia antes e que não estava agora na sua agenda de interesses (19). O encontro não se materializou, como é sabido. Nem a possível colaboração (solicitada, mas não concretizada), de Reed em Fear, o álbum que Cale editaria em 1974.
Reed focou então as suas atenções na criação de um novo disco, nele procurando projetar novos interesses sobre os efeitos das anfetaminas no corpo (20). Foi o produtor Bob Ezrin quem lhe terá sugerido a criação de uma narrativa na forma de canções. O filme para os ouvidos, a que a campanha de lançamento do disco aludiria depois. O título representa o cenário que acolhe a história. “É uma cidade dividida com muitos acontecimentos potencialmente violentos a ocorrer ali. E não é a América, se bem que algumas das personagens possam parecer americanas. Pareceu-me melhor que chamar-lhe Omaha... Berlin era apenas sugestivo. Fazia-o mais piroso que realmente é Berlim. Lembra-me Von Stroheim e Dietrich” (21), explicou Lou Reed.
Centrado na relação de duas personagens (e no seu relacionamento), Berlin convoca imagens tensas que envolvem situações de violência física e mental. Doggett vê o disco como um espaço onde Lou Reed “como um Delmore Schwartz tardio, testou o solo para possíveis decisões na sua própria vida. O que aconteceria se tomasse speeds durante semanas, meses, anos? Haveria uma saída da sua relação com a sua mulher? A violência seria uma resposta à frustração? (…) Caroline e o narrador deram-lhe respostas, nem sempre as que ele queria ouvir” (22)
Lou Reed contaria mais tarde que, durante a gravação do disco, a sua mulher fez uma tentativa de suicídio, cortando os pulsos numa banheira de um hotel, recorda Growing Up In Public. As canções abordavam de facto temas em aberto, feridas não saradas. A instrumentação é mais elaborada que a usada em Transformer, transportando a música a um novo patamar, a simplicidade que era característica da sua linguagem ficando aqui por conta da abordagem realista ao universo ao seu redor que aqui se materializava. Mas apesar da grande proximidade entre o cantor e os temas e situações narradas, Lou Reed coloca em cena um narrador que se distancia e dá conta do que observa sem se comprometer emocionalmente. Tanto que, em Man of Good Fortune, chega mesmo a dizer que “não se importa com nada”. Berlin é um disco franco e poderoso. Olha nos olhos cenários de decadência, dependência e morte. “Se o não tivesse feito teria enlouquecido. Se não o tivesse tirado do meu cabelo teria explodido. Foi um álbum muito doloroso de fazer”, explicaria ele mesmo um ano depois (23).
18 in Growing Up In Public, de Peter Doggett, Omnibus Press, 1992, pág 85
19 ibidem
20 idem, pág. 86
21 ibidem
22 ibidem
23 idem, pág 90